Capítulo Quatro

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Meu apartamento era pequeno; com três cômodos e um banheiro, formavam cinquenta metros quadrados. A pequena cozinha era emendada com uma sala de estar e uma mesa de jantar. O quarto ficava bem ao fundo, depois de um corredor, com o banheiro à direita. Toda vez que entrava no meu lar, eu fazia a mesma coisa: deixava as chaves no balcão da cozinha e ia direto para meu quarto. Aquele dia, porém, eu fiz diferente, deixei as chaves na cozinha, mas deitei em meu sofá, olhando para o teto bege, pensando sobre meu dia de muitas emoções.

Primeiramente eu tivera uma horrível consulta com um "psicólogo" e logo após isso, conhecera uma mulher, que me ouviu, contou piadas e, mais importante, disse-me qual era o seu grande problema. Basicamente, ela tinha um transtorno mental que carregava desde sua infância, no qual um idoso maltratou e matou sua mãe, à sangue frio, bem na sua frente. Depois desse momento trágico, Cássia nunca mais conseguiu se relacionar com pessoas notavelmente mais velhas; algum problema com nomes complicados e científicos, que realmente não me lembro. Enfim, eu estava cansada e precisava de um descanso, tendo preguiça até de ir para minha cama.

Eu precisava ainda resolver meu problema, era necessário ir na delegacia e delatar aquele homem. Minha mente não conseguia assimilar tanta dissimulação da parte dele, querendo estrangula-lo cada vez mais. Era impossível sentir pena por um monstro como ele; eu queria vê-lo sofrer do mesmo que jeito que estava sofrendo naquele momento e, quando pensava nessa possibilidade, caí no sono.

Acordei com uma batida em minha porta, era Cássia.

— Vamos, são dez horas já. Combinei de te levar na delegacia, não lembra?

A mulher falava em um ritmo muito rápido para minha recém acordada mente acompanhar. Meus olhos semiabertos não conseguiam enxergar muito nitidamente a imagem à minha frente; meu pescoço latejava, enquanto minhas costas gritavam por ajuda. Dormir no sofá na noite anterior foi como uma ressaca no dia seguinte, eu precisava de um café.

Peguei minha blusa e desci com Cássia. Chegando no estacionamento, segui ela para seu carro, um sedan preto velho, o tipo de automóvel que refletia muito bem o prédio em que morávamos. Pedi com educação para pararmos em alguma cafeteria, pedido que a mulher atendeu fielmente ao estacionar em uma lanchonete da esquina e sair de lá com dois expressos quentinhos. Logo depois, rumamos para a mesma delegacia que eu estivera na noite do sequestro.


****

A recepcionista tomava um chá em uma xícara exótica com o rosto de um policial estampado, com um escrito "Só faço o que posso", personagem de um seriado famoso de TV. No momento em que a mulher me viu sozinha — Cássia decidiu ficar no carro para evitar "surtos" —, ela parou repentinamente tudo que estava fazendo, lembrou de meu rosto e olhou para mim com pena. Aquele foi o exato instante que comecei a ficar irritada.

Perguntei onde o delegado França estava, tentei ser a mais educada possível, sem parecer como uma "coitada". Mercedes, a mulher, indicou que o policial estava na sala de reuniões e que não demoraria, o que me fez ficar esperando nas mesmas cadeiras da terrível noite, dessa vez sem nenhuma xícara.

Minha mente ensaiava as frases que diria, dando ênfase nos pontos certos e colocando os acontecimentos em uma ordem satisfatória. Eu não sabia dizer se o delegado iria prender o homem, ou se apenas o interrogaria, ou, infelizmente, não faria nada; meu pensamento focava na melhor possibilidade, tentando juntar a maior quantidade de raiva do psicólogo para declamar ao policial.

O delegado José França apareceu sozinho pela recepção, com um olhar preocupado e, no momento em que me viu, suas sobrancelhas se juntaram, dando uma expressão ainda mais tensa para o sujeito. Levantei-me rapidamente e quando tentei direcionar alguma palavra para ele, fui cortada.

O tempo logo depoisOnde histórias criam vida. Descubra agora