Penúltimo

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Frank não apareceu na escola durante aquela semana inteirinha, e eu já sentia sua falta mais do que qualquer coisa. Eu e meu irmão conversávamos mais do que nunca, e ele sempre me entendia, me dava concelhos e explicava algumas coisas que estavam acontecendo comigo.

Quase um mês sem ver Frank e eu me sentia completamente desligado do mundo lá fora, ficava a maior parte do tempo trancado dentro do quarto, olhando para o nada e imaginando Frank abrindo a porta e indo ao meu encontro. Mas aquilo nunca aconteceu.

Minha mãe havia me chamado para jantar, mas não sentia vontade alguma de me alimentar, tudo descia pela minha garganta obrigatoriamente.

- Mamãe, eu quero ver o Frankieee... Tem como a senhora ligar para a tia Linda? Por favor, por favor! – Pedi assim que cheguei na cozinha e a vi com o telefone em mãos.

- Ah, querido, eh... Tudo bem, eu vou conversar com ela – Sua face estava estranha, ela sorriu forçadamente para mim e eu sabia que tinha alguma coisa errada acontecendo ali.

- Mamãe... O que foi? O que foi? Mãe... Me diz... – Meus olhos já se enchiam d'água e o medo repentino percorria todo meu corpo, me trazendo uma sensação horrível.

- Filho... Eu... Eu sinto muito... – Ela largou tudo que tinha em mãos e veio ao meu encontro, sua voz estava falha e seus olhos molhados. Me abraçou em seguida, mas eu estava com muito medo para continuar ali, ouvindo o que ela tinha para me dizer.

Corri rapidamente para meu quarto, batendo a porta com força e me jogando na cama, abraçando um travesseiro imediatamente e caindo em lágrimas. Eu não sabia o que estava acontecendo naquele momento, nem com o mundo ao redor ou muito menos comigo mesmo. Mas doía como nunca, a dor era insuportável.

Ouvi alguém empurrar a porta devagarinho e entrar em meu quarto, mas não tinha força alguma para virar e ver quem era, mesmo que a curiosidade rondasse por ali.

- Gee? – Alguém me chamava, enquanto continuava imóvel jogado na cama com a face esmagada contra o travesseiro. – Gee, por favor, me escute – Agora dera para entender melhor de quem era aquela voz, meu irmão.

- Mikey, por favor, não quero conversar agora – Disse ainda na mesma posição, nem me importando se ele não entendesse nenhuma palavra.

Ele se aproximou ainda mais da cama e começou a acariciar meus cabelos, de alguma forma tentando me fazer sentir melhor. Mas era um tanto impossível, estava tudo tão confuso.

- Mamãe disse que a gente vai fazer uma viagem, visitar nossos avós lá da Inglaterra, que tal? Você irá fazer novos amigos, ver nossos parentes... – Ele disse com um tom doce, ainda mexendo com meu cabelo, agia como se fosse a mamãe.

- Não quero novos amigos! – Gritei, assim que me virei de barriga para cima e pude ver meu irmão. – Eu quero ver o Frank! – Só fora preciso dizer essa frase para ver os olhos de meu irmão se movimentarem apressados pelo quarto e suas mãos tremerem.

- Gee... É só por um tempo... Mamãe disse que em breve, hm, você verá o Frank, mas.... Agora não dá, ele também foi fazer uma viagem, entende? – Em nenhum momento ele teve coragem de dizer uma sequer palavra olhando em meus olhos, o que me deixava ainda mais angustiado, meu irmão não era de esconder as coisas de mim.

Me aproximei ainda mais de meu irmão e o abracei, sendo bem recebido, enquanto ele disse que tudo ficaria bem. Mas, será que realmente ficaria?

20 anos depois...

Assim que finalmente consegui umas férias, deixando a empresa um pouco de lado, resolvi marcar uma viagem para voltar para os EUA, visitar o restante de minha família que via de vez em nunca. Já fazia anos que havia saído da velha e pacata Nova Jersey para viver em Brighton, e de lá para cá, depois de tantos anos, ainda sentia falta de minhas origens.

Com a finalidade de arrumar minha mala e encontrar algo para passar o tempo durante a viagem de avião, fiquei futricando em uns papéis na gaveta, em busca de algum sketchbook para ficar desenhando durante a viagem. Passei uma das mãos ao fundo da gaveta e encontrei um papel amassado e um pouco sujo.

Com aquilo em mãos, observei detalhadamente, para tentar lembrar de onde veio aquilo. Abri aquele pedaço de folha amassada e percebi que havia algo escrito ali, numa letra diferente da minha e com alguns erros bobos, parecia ter sido escrito por uma criança.

Comecei a ler e um filme passava por minha cabeça, voltava ao passado e me lembrava detalhadamente de cada coisa muito importante que havia vivido. Porém, uma dor tomou meu peito assim que tive a pior das lembranças, quem escrevera aquela carta para mim já não poderia receber mais uma resposta, e eu, que havia recebido ainda pequeno, não entendia muito bem como funcionava a vida.

As lágrimas grossas caíam sob a folha amarelada pelo tempo e molhava o desenho de sua ponta, feito com canetinha vermelha. E havia um nome escrito em seu término, acompanhado a um ponto final para esse desfecho.

Guardei o papel no bolso do jeans, terminei de arrumar minhas coisas e fui direto para o aeroporto. Durante todo o trajeto até os EUA, minha cabeça tramava de colocar a cada segundo a imagem do menininho à tona, e ela mal tinha noção de quanto aquilo me machucava, ele havia me deixado tão cedo e eu nem tive chance de me despedir.

Com as memórias do passado trazidas de volta, pensei em depois de passar pela antiga casa de meus pais e visitar meus tios que ainda moravam por lá, pensei em visitar o cemitério da cidade, porém, eu havia apenas duas informações sobre o tal garoto, um nome e uma idade, já que sua imagem não estava perfeitamente clara em minha mente, já havia se passado tantos anos.

Depois de ter um voo tranquilo, visitar meus parentes e resolver tudo que precisava, sobrou um tempo para satisfazer aquilo que vim pensando a viagem inteirinha. Mesmo com a pequena chance de encontrar alguém sepultado com tantas poucas informações, fui a caminho do cemitério.

Com um carro emprestado, dirigi pelo meu antigo bairro, percebendo que havia mudado tantas coisas ali que mal reconhecia, mas mesmo assim conseguia ver os antigos traços e ter as lembranças claras em minha mente.

Assim que encontrei o cemitério, parei em um lugar meio afastado, precisava me preparar antes de entrar ali e ter toda minha antiga vida jogada contra minha face.

O vento frio adentrava meu casaco e fazia meu corpo arrepiar, movimentava meus cabelos e me fazia cada vez mais me encolher naqueles pedaços de pano. Observei cada pontinho daquele lugar, mesmo adentrando de cabeça baixa.

Procurei pela área de crianças e tentei imaginar que cada uma delas tinha uma história, e como seria se elas tivessem completado essa história até o final. Pensei em Frank, pensei em como seria se ele ainda estivesse aqui.

Ah, a saudade me torturou durante a vida inteira e agora ela sorria na minha cara ao ver minhas lágrimas percorrerem meu rosto. A vida assistia minha dor de camarote, mas não havia nada a fazer agora...

Eu só precisava virar aquela página.

Continua...

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