Capítulo 2 - Xeroque Rolmes

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"Não sou capaz de opinar"

Glória Pires

Parece que depois do carnaval tudo resolveu aumentar ao mesmo tempo, né? Aluguel, luz, Internet... Até o cacete da água subiu! Juro que não teve duplo sentido. Então, fui obrigado a eliminar o menos importante. "Inclusive, preciso pegar mais água no vizinho." Brincadeiras à parte, qualquer dia jogo tudo ao alto, arranjo uns papelões e me mudo para a calçada. Enfim, retornando ao que eu ia dizer... Não sou do tipo que se rende fácil, por isso aproveitei que um dos funcionários foi demitido e comecei a fazer horas extras como repositor. Meu turno como padeiro terminava às 14h, e de lá, eu trocava de uniforme e ia tomar conta dos corredores do Quase Free.

Naquela tarde eu estava no corredor Higiene & Beleza, empilhando os produtos após verificar quais se encontravam em falta nas prateleiras e trazê-los do estoque - detalhe que só faltavam os shampoos e desodorantes para eu ir para casa. Ali, manuseando o carrinho plataforma com os itens, dirigi-me à área dos shampoos, no entanto, assim que estacionei, reconheci a pessoa de costas que tentava pegar, entre pulos, um desses kits "leve dois, pague um". Tradução: pague três, leve um, de tanto imposto que têm. Para ser sincero, não entendo o motivo de fazerem prateleiras tão altas, sendo que a maioria dos clientes são mulheres. Nisso, deixei o carrinho de canto e segui até a Pocahontas, que no tal dia estava com os cabelos presos em um ilustre rabo-de-cavalo.

- Rosa ou verde? - questionei, já com o braço esticado.

Ao me ver, ela sorriu. Exalava simpatia aquela mulher.

- Oi, padeiro... o verde, por favor.

Apanhei, entregando a ela que me agradeceu baixinho, porém, ao me virar, tive um pequeno infarto. Dei de cara com quem de braços cruzados, escorado no carrinho plataforma e me fitando igual há meses atrás? Isso mesmo, o sujeito do bundão com sua mesma fisionomia de rato. "Estou nervoso por quê, mesmo?", refleti.

O problema é que me peguei apreciando por uns instantes aquele jeans gasto e largo, os fios escuros escapando por baixo do boné, a barba por fazer... até a ridícula camisa de futebol. Daí me perguntei: por que isso se sempre detestei macho vestido desse modo?

Pior ainda: macho feio!

Respirei fundo e prossegui, evitando o contato visual durante o trajeto até a categoria dos shampoos. Sim, eu estava desviando dos olhos do cara que me atraía... de um jeito estranho, mas atraía, e isso não tinha nada a ver com sua suposta namorada logo atrás de mim. Juro que quis me dar um tapa. Ele, por outro lado, continuou na mesma posição, contudo, senti seus olhos me metralhando. "Só queria entender o motivo desse cão me olhar com tanta raiva."

Enchendo as prateleiras, olhei de soslaio e vi a garota indo ao outro corredor, porém, nem assim o energúmeno moveu um músculo. O ruim é que eu precisava abastecer também os desodorantes, e eles ficavam na outra ponta. Tinha que levá-los até lá, mas como se aquele estrume não saía de cima do meu meio de transporte?!

- Licença - pedi, forçando o carinho pelo outro lado. Ao ganhar aquele olhar antipático, ergui uma das sobrancelhas, as quais se encontravam bem-feitas e aparadas no centro graças à pinça da Letícia.

- Ah, foi mal. Estou atrapalhando, moleque? - dito isso, finalmente saiu.

"Moleque é meu p... Caramba! Não lembrava da voz dele ser tão... intensa."

- Não, eu... - Finalizei apontando para frente. Não quis desenhar, até porque ele não parecia ser desequilibrado.

Guiando o carrinho, continuei sem encará-lo. Não por muito tempo. Após meu terceiro passo - ou foi o quarto? -, o cara apenas segurou meu braço com um pouco de força, puxando-me e nos aproximando. Deixei, claro. Na verdade, enfeitei, dando a impressão de que o puxão foi mais forte só para... chegar mais perto.

Um Sonho de Padeiro [MUDOU DE CASA]Onde histórias criam vida. Descubra agora