Capítulo 3 - No inferno tem pão?

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"Percebe, Ivair, a petulância do cavalo?"

Mulher do Ivair

Algumas semanas se passaram desde aquela mini treta na cozinha, e a partir de então, não vi mais o Gustavo. Mas quer saber? Eu pouco me lixava com isso; o cara me deu um soco, cuspiu no chão e tudo! "Vou me estressar por causa de macho? Vou nada!". Porém, digamos que eu tenha dado apenas algumas stalkeadas saudáveis vez ou outra. Se bem que não durou muito; o cão dos sete infernos trancou o perfil. Para incrementar, uma foto romântica dele com a Pocahontas fora a única coisa deixada pública.

"Coitado, está querendo mostrar que é feliz com a namorada para eu desencanar". Ele deveria me pagar só por eu, um ser lindo, maravilhoso e cheiroso, ter tirado alguns minutos — talvez horas — do meu precioso tempo para fuçar a vida dele na Internet. No entanto, eu tinha problemas maiores: as horas extras estavam cada vez mais escassas. Grande culpa foi a falta de movimento no supermercado — se não tem cliente comprando, não precisa de um repositor a mais. Detestei, claro. Aquela grana me ajudou muito — até um celular novo consegui comprar e já me sentia um playboy metido a besta.

"Vida que segue."

Passei em casa após terminar meu turno e corri ao calçadão, onde fiquei de bobeira. Milagrosamente, o sol não se encontrava matando como costumava estar às três da tarde, contudo, tive que deixar o coco de lado para checar a mensagem recebida. Era um áudio do gordo do Carlos, meu supervisor.

— Erick, como a Letícia vai entrar de férias e você vive chorando por horas extras, vou te colocar na padaria também. Tranquilo? Qualquer coisa manda um salve.

O bom do Carlos é que ele não estava nem aí para as formalidades ou com sua superioridade em relação aos reles mortais da empresa. Ele nos tratava como se fôssemos colegas de classe — seu único defeito era ser adepto às gírias de bandido.

Enfim respondi, via mensagem de texto mesmo:

Será q amei? xD

Soquei o despertador e voltei a dormir, pois, quem foi que ficou até tarde assistindo série, mesmo sabendo que tomaria conta da cozinha e da padaria no outro dia? Exatamente, o viado aqui. "Espere um pouco... Não tenho despertador!"

— Diabo do meu ódio!

Apanhei o celular novo do chão, ainda bêbado de sono às 05h01 da madrugada. Como é possível a pessoa estar há praticamente três anos acordando no mesmo horário e ainda não ter se acostumado? Felizmente, tirando o arranhão na ponta, o celular respirava sem a ajuda de aparelhos. Sendo assim, segui à minha rotina matinal: tomar banho, fazer a barba — essa era uma das imposições do lugar onde trabalho —, fazer o café, tomar o café, pegar a bike e voar para o supermercado.

O sol, embora fraco, brilhava quando passei a corrente na bicicleta vermelha, prendendo-a no bicicletário do estacionamento, e, já na cozinha com o uniforme e touca higiênica, comecei a preparar as massas dos pães. Colocar para descansar; pôr na amassadeira; carregar outro saco de farinha... Oh, servicinho puxado! Às oito horas e alguma coisa, as primeiras fornadas de pães doces e salgados estavam prontas, quentinhas, cheirosas e, logicamente, deliciosas porque foi eu quem fiz.

Tá, eu experimentei.

Troquei o uniforme branco pelo azul, a touca pelo boné branco com o emblema do Quase Free — fora da cozinha todos os funcionários precisavam usar boné —, e me dirigi à padaria do supermercado após guardar as roupas usadas antes na mochila que levei justamente para esse fim. Ali, depositei duas cestas cheias de pães em seus compartimentos próprios — essa área ficava afastada da vitrine e protegida com tela, por isso, quem fica do outro lado não consegue a ver.

Um Sonho de Padeiro [MUDOU DE CASA]Onde histórias criam vida. Descubra agora