Capítulo 1 - Feriado Nacional

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"A vida que eu levo nego pensa que é fácil"

Kelly Key

A primeira vez que vi o fi duma égua na fila do pão foi tão... Achei ele muito esquisito à primeira vista. Fisicamente era o tipo de pessoa que quando chegava em mim na balada, eu fingia que ia buscar mais bebida e viajava para fora do país. "Mentira, não tenho grana nem para voltar ao meu bairro de ônibus." Deixe-me explicar: sou lindo. Lindo não, sou a personificação do deslumbrante! Vou pegar homem com cara de rato? Jamais! Eu tinha que aproveitar meus vinte e dois anos com os seres do meu nível, não é mesmo?

Onde eu estava? Ah, sim: feriado, se não me engano, dia da Proclamação da República; ou algo do tipo. Todo dia é feriado neste país. Só lembro de ser novembro, dias após meu aniversário, e um feriado daqueles que todo mundo recebe folga, mas como diz o famoso ditado das mães: Você não é todo mundo, Erick Silveira. O supermercado Quase Free — eu sei, que nome feio — encontrava-se lotado, parecendo um formigueiro. Com isso, a tiriça da Letícia — garota responsável por ficar na padaria e minha melhor amiga — teve que ajudar na Frente de Caixa. Então, aquele que não é todo mundo, além de ter que trabalhar em pleno feriado, também recebeu de brinde a ordem de tomar conta do forno e atender os clientes. Nem tive tempo de tirar o uniforme branco para pôr o azul que os funcionários daquele lado usam, apenas incorporei o personagem da DC Comics com supervelocidade, o tal do Flash, e pá!

Me dividi em dois, viado.

Entretanto, depois de sentir o cheiro da grana que aquele trabalho duplo me gerou, tudo ficou da cor da minha alma: colorido. Não posso esquecer de citar o tamanho da fila que encontrei ao colocar a cabeça para fora do meu cantinho de trabalho, vulgo cozinha industrial do supermercado. O ser humano é o único animal que em vez de traçar no feriado uma pizza, lasanha ou um espetinho de carne, prefere comer pão! Sem contar que pela palidez daquele povo, era tudo turista.

Só para esclarecer: se você mora em cidade litorânea, distingue os moradores dos turistas pelo estado da pele. Bronzeado: morador. Desbotado: turista. Ou seja, aquela raça veio de sei lá onde para comer pão na praia! Vê se tem cabimento?!

Felizmente, consegui dar conta do recado, afinal, sou o Flash, não é mesmo? Até cortar frios tive que fazer, tudo no improviso. Nunca mexi naquelas máquinas, só sei usá-las por ver a Letícia as manuseando. Por isso que naquele dia tive tanta saudade de ficar enfurnado na minha cozinha. Adoro trabalhar lá porque é do jeito que eu gosto: sossegado. Tudo bem, preciso conviver com os barulhos das máquinas enquanto fabrico os pães, porém, não ter patrão folgado ou cliente chato pegando no meu pé é uma vitória. Na cozinha é só eu, as máquinas e a farinha.

Paraíso!

Voltando... Pelos meus cálculos, naquele feriado atendi um milhão de pessoas quando uma garota bonitona... Puta que pariu! Bonitona é pouco. A infeliz parecia atriz. Tinha o cabelão liso na cintura, pele castanha e traços indígenas: a cara da Pocahontas da Disney! Se eu que não curto a coisa lhe daria uns beijos numa boa, imagine quantas cantadas a indiazinha tinha que aturar. Exagerei. Beijar, não beijaria, mas a parte da sua beleza é real. Lembro inclusive do diálogo que se formou após ela aparecer do outro lado do balcão vitrine... por motivos óbvios.

Palavra por palavra.

— Menino, você me ouviu? — quis saber ela em tom baixo e voz fina.

Sacudi a cabeça, percebendo que estava em silêncio por tempo demais.

— Desculpe. Muitos clientes hoje. — Ri para disfarçar. — O que deseja, moça? — prossegui, e ela riu também. "Oh, bicha linda! Será ela a tal da cura gay?" Adoro tudo que é bonito, fico babando mesmo, porque de feio já basta minha conta bancária.

Um Sonho de Padeiro [MUDOU DE CASA]Onde histórias criam vida. Descubra agora