Capítulo 8

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            O dia 24 de dezembro chegou. Era sábado, e a loja só ia fechar lá pelas seis horas da tarde. Eu confesso que estava um pouco triste porque ia passar o Natal sem um namorado... Se bem que do jeito que estava a minha vida, eu estava sentindo mais é a falta de ter uma namorada. E ainda eu tinha que aguentar a minha mãe e o meu padrasto me dizendo que eu ia ficar beata se continuasse dispensando as oportunidades.

Eu já disse que queria sumir. Mas ainda não tinha coragem de pegar as minhas malas e sair por aí. Então, essa vontade ficou apenas em minha cabeça.

Voltando ao dia 24... A loja ficou lotada. Eu confesso que fiquei mais foi guardando as mercadorias de volta no lugar. Eu não tinha muito experiência em atender os clientes. Mas consegui realizar algumas vendas.

Nessas vendas, eu me reencontrei com a Raissa. Não achei que ia vê-la de novo, mas ela estava na loja e olhando algumas calças de número 38.

— Raissa...

— Júlia... Que bom te ver! — disse ela, me cumprimentando.

Eu dei um sorriso, e ela perguntou:

— Você está trabalhando aqui?

— Sim.

— Que coisa boa.

— Posso te ajudar? Tem mais alguns modelos de calça 38 lá no depósito.

— Hum... Vou querer dar uma olhada.

Eu mostrei mais algumas calças para a Raissa, e ela comprou duas. Antes de ir embora, ela me deixou o seu número, e eu passei o meu, claro. Mas não pensei em outras coisas naquele momento. Só achei que ela quisesse a minha amizade porque era bem feminina e tinha cara de hétero!

Eu percebi que a gerente ficou me olhando quando conversei com a menina. Será que ela estava com ciúmes de mim? Eu não podia pensar nisso. A mulher era casada e tinha uma filha. Por que eu ainda insistia? Na verdade, era o meu coração que insistia em gostar dela.

No final do serviço, a gerente foi a única a me desejar "Feliz Natal". Eu também disse isso a ela. E ainda perguntou:

— Vai sentir saudades de mim?

Eu apenas dei um sorriso. Por que ela tinha que ser tão linda? Eu não conseguia resistir a ela.

Depois de ter saído do trabalho, voltei para casa. O meu Natal foi até bom. Eu coloquei um peru para assar e minha mãe fez o arroz e o restante das misturas. Nossa casa não ficou cheia de gente, porque apenas as duas irmãs do meu padrasto vieram. Elas eram um pouco arrogantes e enjoadas. Uma delas mesmo, não parava de falar um segundo no ouvido da minha mãe.

Por mais que eu tentasse pensar em outra coisa ou me divertir com o Natal, eu ainda pensava na gerente. Eu ficava imaginando como ela estaria... Será que ela estava se divertindo? Será que em algum momento pensava em mim? Eram apenas perguntas tolas feitas pelo o meu coração. Na verdade, eu acho que ela estava melhor do que eu e com uma pessoa que gostava dela.

A noite de Natal ainda não tinha findado. No entanto, eu já estava em meu quarto. Eram mais ou menos umas nove horas da noite. De repente, eu recebi uma ligação. O número era desconhecido.

— Oi. É a Júlia?

— Oi. Quem é?

— É a Raissa. Pelo visto você não adicionou o meu número, né? — Ouvi a risada dela do outro lado.

— Raissa! Desculpe... Eu ainda não coloquei o seu número aqui na minha agenda. Tudo bem com você?

— Eu estou melhor agora. Mas para eu te perdoar, você precisa fazer algo.

— O quê?

— O Natal da minha casa está um tédio. Só tem as crianças dos meus primos correndo pela casa. Quer sair comigo?

— Tipo, agora?

— Tipo, sim! Eu passo em sua casa! Me fala o endereço...

— Eu não sei. Os meus pais não vão deixar... Para aonde vamos?

— Relaxe! Nós vamos a uma sorveteria, apenas.

Fiquei pensativa. Eu devia ir?

— Por favor! Eu quero me distrair um pouco!

— Ok.

Eu disse a ela que tinha uma sorveteria perto da minha casa. Assim, falei para a minha mãe que ia comprar um sorvete e já voltava. Minutos depois, eu já estava lá. A Raissa chegou em um carro na cor preta e me cumprimentou com beijinhos no rosto.

— Nossa... Essa noite está super linda, né? — declarou ela pegando de leve na minha mão.

Eu fiquei sem jeito e disse:

— Sim. Está perfeita. — disse eu, encarando-a.

— Quem? — Ela sorriu, perguntando.

— As duas. À noite e você.

Sério que eu disse isso a ela? Nossa!

— Vamos tomar sorvete?

— Claro. — afirmei.

Eu pedi o meu velho sabor de sempre, o de morango. E ela pediu um sorvete de coco. Ficamos conversando sobre tudo um pouco durante esse encontro. Depois que terminamos o sorvete, ela me fez uma pergunta.

— Você ainda está falando com aquele seu ex-namorado escroto?

Ela se lembrou da conversa que tivemos naquela noite na praça.

— Não. Eu terminei com ele. Não gostava dele do mesmo jeito que ele gostava de mim. E você? Nunca te vi com ninguém.

— Eu também já namorei uma pessoa, mas não deu certo. No momento, eu estou à procura de alguém. — Ela piscou o olho para mim.

Eu dei um sorriso, confusa.

— Você gosta de mulher?

— Nossa, eu dei tanta pinta assim é? — Ela sorriu.

— Desculpe. Eu nem sei se você quer falar sobre isso e já vou perguntando!

— Sou. Eu sempre soube. Quando era criança, largava as bonecas e partia para brincar de carrinho com os meus primos. E, quando comecei a estudar, percebia que eu achava as meninas mais bonitas que os meninos, sem falar que eu achava uma gatona a minha professora de Português. Tentei namorar meninos, mas nunca deu em nada. Hoje, os meus pais já sabem e até aceitam melhor do que antes. E você?

— Eu? Eu só namorei o Jonatas e vi que não sentia nada por garotos. E, por muitas vezes, eu sentia atração por mulheres. — Pensei um pouco — Eu também sempre achei as meninas mais bonitas.

Nós duas sorrimos. Mas, depois, eu fiquei triste e comentei:

— Os meus pais ainda não sabem de nada. A minha família é muito religiosa e detestaria uma coisa dessas.

— Eu te entendo. Eu tenho uma amiga que passou por isso. Ela se aceitou e foi morar sozinha. Até hoje, os pais dela não aceitam o que ela quis para a vida dela.

— É por isso que eu tenho medo. Não quero que a minha mãe não me aceite. Eu acho que não conseguiria viver com essa situação.

— Olha, Júlia... Ninguém escolhe ser gay. Se eu pudesse escolher, eu escolheria ser hétero e dar netos para os meus pais. Mas isso não é para mim. Até poderia fazer isso, mas estaria abrindo mão da minha felicidade. E você? Quer abrir mão da sua felicidade?

Parecia ser fácil de responder. Mas a resposta dependia de muita coisa. 

Minha menininha (Romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora