Capítulo 1

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Já passava de meia-noite quando eu finalmente consegui sair do trabalho, mais um dia incansável e isso só me fazia perceber que as pessoas têm razão quando dizem que sou viciada em trabalhar. Todos os dias eu chegava de manhã e todos os dias eu era a última a sair. Essa minha mania perfeccionista de querer tudo feito por mim pra não ter margem de erros. Então eu contratava as modelos que pra mim eram perfeitas, eu escolhia a dedo o figurino usado por cada uma, eu mesma tirava todas as fotos e não sossegava enquanto não as passasse uma a uma em meu computador.


Não é um trabalho pesado, é o que eu amo fazer, eu escolhi isso, eu trabalhei duro até chegar onde cheguei e possuir a maior empresa do ramo fotográfico da cidade. Não foi fácil chegar onde cheguei, ter que lutar todos os dias contra preconceitos que eu não entendo ainda o motivo, ter que ignorar críticas não construtivas de pessoas que não queriam meu bem ou não queriam me ver pra frente, não queriam meu sucesso. Mas força de vontade é tudo, ao menos foi pra mim.

Não vou mentir sobre isso, sou uma mulher linda, de cabelos pretos bem escuros, minha pele branquinha e lisa, sempre me preocupei muito com minha aparência. Meus olhos verdes, é claro, sempre me ajudaram a manter meu charme. Charme que eu sabia bem quando usar pra conseguir algo, mas também que me atrapalha em algumas horas, há pessoas que não sabem muito bem distinguir um não, mesmo que repetidas vezes.

Nunca foi incomum que minhas modelos tentassem algo comigo, um bilhete discreto com um número e nome marcados, uma piscadela sugestiva com um rebolado exagerado, ou até mesmo pequenos presentes com segundas intenções. Só existem dois problemas aqui, o primeiro deles: modelos não fazem meu tipo, sempre fui fã de abundância, pele e osso não me apetecem. E segundo: possuo algo entre as pernas que não arriscaria alguém que soubesse quem sou descobrisse, no mundo de hoje qualquer coisinha é motivo de notícia, mesmo que isso não tenha nada a ver com ninguém, sentia-me mais segura saindo com desconhecidas do outro lado da cidade, ou às vezes até pagar pra me satisfazer. Sinto-me bem com quem eu sou, como eu sou, e não vou mudar isso pelo simples fato de não ser comum à sociedade.

Quando já estou no meu carro, saindo do estacionamento do prédio da empresa, olho mais uma vez de relance para o relógio posicionado no painel e entro numa batalha interna sobre ir pra casa ou ir à boate praticamente no outro extremo da cidade. Era quinta-feira, uma boa noite pra conhecer alguém por algumas horas, ou encontrar alguma garota já conhecida. Enquanto finjo pensar no que quero fazer, meu automático já se dirige à Jet Lag Club. Sempre achei interessante o nome, pois era um local que reunia várias pessoas diferentes, com culturas e jeitos diferentes e sou uma pessoa que gosta de diversidade, sou adepta à ela.

Quase não percebo o tempo passar enquanto dirigia e me perdia nos meus pensamentos, sempre que eu entrava neles era difícil sair, eu era capa de me alienar por horas e mais horas sem nem me importar, às vezes nem era de propósito que isso acontecia. Mas eu adorava me desligar dessa maneira, era como se eu tivesse um mundo só meu, impenetrável, o único lugar que eu poderia fazer qualquer coisa sem ninguém me julgar. Ou alguém de fora, pelo menos, acho que sou a maior julgadora de mim mesma.

Logo já estou estacionando o carro em frente da boate e o manobrista abre minha porta, ele já sabe quem sou, tanto sabe que me dá um sorriso cúmplice igual a todos os dias que eu apareço por lá. Apenas sei seu primeiro nome, o nome que se encontra em seu pequeno crachá alfinetado em sua camisa social de mangas curtas, enfeitada por aquela gravata pequena que mal chegava à altura de seu umbigo. Sempre achei engraçado como as profissões pareciam ter uniformes, na maior parte das vezes, quando alguém olha a roupa do outro já julga sua profissão, médicos de branco, empresários em roupas sociais, advogados de terno ou saias para mulheres, artistas com coisas chamativas e brilhos. Mas eu, ah, eu gosto de pensar que são todos policiais à paisana prontos para prender algum criminoso muito foda. Bem, eu sou algo que não podemos tomar como padrão da sociedade, por dentro ao menos, por fora eu finjo ser comum e só mais uma garota assustada por já ser vista como mulher e não ter ideia do que está acontecendo a minha volta.

Dame Esta Noche - LaurinahOnde histórias criam vida. Descubra agora