De vagar, ela foi acordando, se trazendo de volta ao mundo. Com o frágil som que os canários abrigados nos abetos do seu jardim emitiam, ela podia ver ás horas. Eram 7 horas da manhã. Cedo demais. O sono ainda está ali, implorando mais um pouco dos carinhos do cobertor, mais 1 hora de sono seria tão pouca... . Ela já não sabe o que quer. Se dorme; perde horas a mais do dia, se acorda; terá de enfrentar a rotina. Ela poderia muito bem burlar o roteiro, mas as consequências viriam depois. Ela não quer isso. Já bastava dormir e acordar com dúvidas, com medo, incerteza. Com seus erros, ela entendeu o que é a verdadeira angústia. Com seus erros, soube que nunca mais na vida erraria. Com seus erros, aprendeu a viver esperando o imprevisível amanhã. Com seus erros, todos os dias não passam além de medo, angústia e pavor. Com seus erros, ela entendeu que a sua própria existência poderia se apagar, e disso sempre soube, mas com seus erros a certeza de que seria trágico era tão certa e exata quanto a certeza de que você tem em ver o sol nascer todos os dias.
Então, depois de tanto precisar pensar e se decidir, ela estica os braços para o alto e arranha o ar, estalando todos os dedos de uma só vez. Ao abrir os olhos, percebe que uma lágrima fora mais rápida, e que chorara sem perceber de novo enquanto se decidia em viver ou descansar. Isso acontece desde de... desde que errara com a vida. Acordar era uma vitória que só servia para ferir. Chorava porque vivia mais um dia, chorava porque não queria viver para esperar, para sofrer.
De pé, aponhou as mãos as costas e se envergou para trás. Seus ossos estalaram. Doeu. Teria quebrado a coluna?? Seria assim?? Seria agora?? Não. Não dessa vez, foi apenas uma coluna rígida e cansada. Ela preferia que fosse assim, que fosse agora. Não seria tão ruim. Não, isso seria muita piedade e condescendência. Ela sabe que não merece compaixão nem do Diabo.
Sua rotina se resume em olhar para a direita e esquerda, sentir calafrios, correr quando sente uma presença e olhar para trás de si a cada passo. O medo está nela como um perfume caro está no pescoço de uma burguesa.
Ela não tem muito o que fazer para ocupar o dia. Trabalha na padaria da praça central "Tulipa". O seu cargo lhe mantém ocupada 2 ou 3 horas, e minutos aleatórios, quando solicitam sua presença. Isso é bom. Menos chances de se machucar com algo. Menos chances de uma fatalidade.
Seu Domingos Patôla é o seu chefe, o padeiro, além de um bom amigo para ela. Sempre que precisa, ele lhe oferece os ouvidos sem que precise ser chamado. Mas ela não confia nele. Ela não confia em ninguém, principalmente naqueles que a tratam bem. Ela não merece isso. Então, por que dar?. É impossível acreditar e confiar, mas não rejeita. Não rejeita pois, talvez seja sufocada por seus pensamentos que a morte venha para sua marcante e amedrontada ilustre visita... pois talvez seja assim o fim, e ela não quer isso para si. Não assim. Seria pior que asfixia.
Coitada dela. Sei que não merece, mas não consigo olhá-la com outros olhos se não o olhar de pena. Ver os erros em toneladas em suas costas..., ver a maneira com que ela o carrega... . A pobre já não tem mais voz. Perdeu-a toda nos gritos da meia-noite. Perdeu a alma junto com ela. E algo mais dentro dela vai sendo corroído todas as noites, quando sonha, quando lembra...
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Errar é Pecado
Mystery / ThrillerNão saber a que horas seus pecados irão se voltar contra você é um sentimento incrivelmente atormentador. O sentimento de querer fugir, de se esconder é ainda pior pois, a impossibilidade de fazê-lo é como se, num subito e ágil movimento, o chão sob...