- Bom dia, pai. - Desejei ao meu senhor, ao adentrar na sala pela porta que direcionava a rua, indo em destino a cozinha para preparar a refeição da tarde. Ele não me respondeu. - Pai? - nada. Essa teimosia em não me responder... - Faça o favor de me responder quando eu me dirigir a você. Não dá mais para brincarmos de mudo e surdo. É hora de falar. Estou sendo educada, por favor. Bom dia, pai. - E o senhor ousou a se manter calado. - Ok. Tudo bem, haja como quiser. Mas vai comer, ao menos? - Nada. Ele não come faz um dia. Não me responde há uma semana. Isso já estava me irritando. - Preste atenção, pai, o senhor pode permanecer taciturno o tempo que lhe parecer suficiente, mas trate de pôr no estômago qualquer migalha. Não tenho dinheiro para cuidar do seu enterro nesse momento! - dele não se viu um movimento suspeito que denunciasse estar me ouvindo. Apertei-me as pálpebras, assim permitindo-me uma visão apurada para observá-lo, a fim de ver se ele estaria virando o rosto, sorrateiramente, mas desperdiçara um minuto caçando um movimento de vacilo. O homem era bom nisso, em ser um estátua, um peso morto que eu tenho a obrigação de aturar. Realmente, atua na mais perfeita profissionalidade, que nem mesmo permitia que a respiração movesse seus ombros. Isso é possível?. Então fui até sua poltrona onde estava grudado nela, na mesma posição, notei, fazia um dia inteiro, e o toquei no ombro.
Eu não tinha dinheiro para pagar um enterro descente, de modo que tive de pedir ao coveiro que enfiasse-o em um caixão usado que estivesse para ser demolido, que enterrasse-o em qualquer bom terreno. Ainda assim, o coveiro repulsivo quis um agrado pelo serviço prestado. Eu não possuía dinheiro, então paguei-o com o que vi em seus olhos ser a verdadeira intenção. Com prazer.
Tamanha ingenuidade foi a minha em perguntá-lo para onde iríamos; - Para onde me levará, defunto?. Já o aviso que dona Magali não admite relações em sua pensão. Terá de arranjar outro lugar. E, espero, que seja ao menos confortável, pois não estou acostumada a pouca coisa.
E então, o filho da puta me atirara a um areal frio, a vista de todos os bêbados curiosos que perambulassem por ali. Me retardara os sentidos com cachaça caseira e velha, me despira sem dó, sob um vento congelante, e trepara comigo como um cavalo desesperadamente no cio, visualizando-me uma égua bruta, que aguentaria todos os tipos de carrinhos indelicados e, nada carinhosos, que ele estivesse prestes a realizar comigo.
Quando se deu por satisfeito, acho que, três horas depois, levantou-se, recolheu-se e me abandou nua sob um areal frio, numa noite fria e em um estado superior a embriaguez.
Depois daquela noite horrorosa, perdi-me do tempo no banho. Queria livrar-me de qualquer vestígio daquele ogro sedento. O que, por céu, consegui me livra. Nem um rastro daquele cheiro repulsivo de terra revirada e flores de sepultura restara. No ato de ir ao quarto para vestir-me, dei com o quadril na mesa de refeições na sala. Um papel caiu. Papel de carta. Reconheci a letra de imediato. Era de meu pai, ele me deixara uma carta. Encarando-a, não consegui resgatar da memória nenhum assunto ou motivo em especial que ele pudesse me deixar por escrito. Um atestado de bens seria impossível, a menos que ele tivesse enriquecido do dia para a noite em um jogo de cartas. Mas, caso fosse isso, convicta sou de que ele daria tudo, de bom grado, aos mendigos do bairro, ou, até mesmo, ao governo. Nada deixaria a mim. Pensando assim, não quis nem se quer estar tocando-a, mas o senhor havia morrido havia um dia e meio e eu nem mesmo notara. Eu precisava ler, por obrigação. Rasguei o lacre e abri a carta. Com dificuldade em entender aquela letra tremida e torta, aproximei a carta ao rosto e me pus a ler.
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Errar é Pecado
Mystery / ThrillerNão saber a que horas seus pecados irão se voltar contra você é um sentimento incrivelmente atormentador. O sentimento de querer fugir, de se esconder é ainda pior pois, a impossibilidade de fazê-lo é como se, num subito e ágil movimento, o chão sob...