Capítulo 5

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     Duas horas. O tempo que Maria e Ethan ficaram se encarando, medindo e se conhecendo. Precisariam de muito mais. Talvez não houvesse tempo suficiente para que chegassem ao fundo um do outro. Ficariam próximos. Ethan, após a menção às duas mulheres, ficou na dúvida se pulava o seu relato ou se seguia conforme o planejado.

Quando recebeu a visita do ilustre diretor do presídio em sua cela, Ethan Lewis soube o que aquilo significava. Acabou. Estava na hora de fazer aquilo que tanto adiou. A voz áspera do diretor proferiu a sentença que aconteceria em poucos dias. O tempo agora estava correndo. Passou tão devagar durante esses vinte anos de clausura e agora decidiu que compensaria. E corria, não, voava.

Uma reunião com o advogado foi marcada. Matias, impaciente e a contragosto, ouvia tudo que o amigo de tempos melhores solicitava. Era sua última vontade, seu último desejo, como lhe falar não? Como lhe dizer que aquilo não prestaria? Não seria compreendido. Matias tinha certeza que o que Ethan pedia só iria prejudicá-lo. Se ele estava buscando redenção, não era dessa forma que encontraria.

Maria deixava transparecer o cansaço. O relato havia avançado até o começo da adolescência de Ethan, até que Silencioso decidiu que era hora de encerrar. Não era de sua vontade contar tudo em apenas um encontro. Pretendia ter vários com aquela moça. Precisava de mais, e assim, anunciou que o momento de parar havia chegado. Pediu que ela batesse na porta e chamasse o guarda. Houve questionamentos, ela queria prosseguir. O seu objetivo — ou seria do seu editor? — não estava nem perto de ser alcançado. Nenhuma pergunta daqueles malditos papéis havia sido respondida. Maria voltaria com as mãos abanando para a redação. Porém, sabia de coisas sobre Silencioso que nenhum repórter poderia imaginar.

— Como foi? — Diego correu até Maria assim que passou pela porta de grades.

— Falamos lá fora. Quero sair daqui.

Maria caminhava rápido na frente, manuseando o gravador em suas mãos pequenas. Diego acelerou o passo tentando acompanhar a namorada. Percebeu que ela estava entregue. O cansaço de uma noite maldormida enfim chegou.

"— Após a sua morte, nos mudaríamos. Meu novo lar seria nos alojamentos dos centros de treinamento em que meu pai trabalhava. Não viu necessidade de termos uma casa depois que ela se foi, já que teria que lhe acompanhar onde quer que fosse. Não fui daquelas crianças que ganhavam brinquedos, não foi assim que meu pai demonstrava seu amor por mim. Ao invés disso, colocava-me no lombo de um daqueles animais e passávamos o resto da tarde até onde o sol deixa tudo em volta laranja, e então voltávamos com o anunciar do crepúsculo. Ele me ensinou tudo que sei sobre cavalos. Foi ele quem me treinou depois de seus dias exaustivos. Acordávamos às quatro da manhã, e antes de tomar café alimentávamos os animais. Então, ele fazia o melhor ovo mexido que eu comeria em toda minha vida...".

Diego ouvia com atenção aquele relato ao mesmo tempo em que observava a reação de sua namorada. Durante o trajeto da penitenciária até seu apartamento, Maria desmontou. Não aguentou e adormeceu, e agora com as energias recuperadas, transcrevia tudo que o gravador registrou. Não queria deixar escapar nada, tanto que fazia marcações sobre as reações emocionais que Silencioso deixava transparecer à medida que contava sobre sua infância. Lembrou que em alguns momentos a voz embargava e o homem se segurava para não chorar. O relacionamento com o pai era algo que mexia com ele.

— Pensei que ele fosse chorar. Então, ele olhou direto nos meus olhos e sua voz voltou. É incrível seu autocontrole — Maria havia travado o gravador e falava com Diego.

— Quer comer mais alguma coisa, amor? — Diego deixou a mesa e recolheu os pratos caminhando em direção à cozinha.

— Estou satisfeita. Agora preciso me concentrar nisso. Ele me contou tantas coisas que nem sei por onde começar.

— Ei! Sem exageros! Viu como ficou hoje assim que saiu de lá? Completamente exausta.

— Não é exagero, Di. Eu não posso perder nada, não posso deixar passar nada! Já vou ter que escutar um monte porque ele não respondeu nada do que queriam. Sabia que ele falaria o que quisesse e te confesso que estou gostando.

— Isso pode te prejudicar?

— Talvez. Mas impor não é a melhor estratégia. Ele pode simplesmente parar de falar e cancelar a entrevista. A melhor opção é ouvi-lo até o final e caso alguma daquelas perguntas fique sem resposta, tento fazer. Ele disse que responderia a tudo que perguntasse se deixasse contar a sua história.

E dessa forma, Maria entraria noite adentro transcrevendo cada palavra dita dentro daquela sala que já devia ter registrado histórias demais em suas rachaduras. E assim seguiria, até que um dia aquele prédio inteiro fosse demolido e com ele levados registros de vidas incompletas.



    Depois de lembrar sua infância, a volta à cela foi penosa para Ethan. Andou calado e cabisbaixo o percurso todo. A memória havia sido reavivada. Sobre a mãe, realmente não conseguia ter um registro afetivo. Sua lembrança sobre ela vinha daquilo que o pai contava, e o homem durante toda a sua vida evitava ao máximo falar sobre a única mulher que amou. Ethan sabia que isso machucava o pai, então nunca questionava, apenas ficava atento quando por vontade própria as histórias sobre ela surgiam. Por outro lado, os laços com o pai eram bem estreitos e amarrados. Por sorte aquele homem gentil não viu o filho sendo algemado e trancafiado atrás daquelas barras de metal.

Deitou na cama que mal acolhia o seu corpo. As palavras voltavam para a sua mente e lágrimas rolaram pelo canto dos olhos. Naquele segundo encontro com a repórter, Ethan revelou fatos que nem mesmo sua esposa conhecera. As noites de tormenta que passou ainda bem jovem, cuidando sozinho do seu pai com febre para que no outro dia estivesse de pé, exercendo suas funções. As dificuldades sentidas em se adaptar a cada novo colégio por conta das diversas mudanças. A duras penas se graduou no ensino médio. E as humilhações? Como foi dolorido para aquela criança ver a forma como seu pai era tratado por aqueles homens de posses. Nenhum empregado de Ethan sentiria isso. Todos, sem exceção, ficaram boquiabertos e desacreditados quando souberam que o patrão havia sido preso por matar uma garota.

A noite veio e os sonhos foram cruéis. Havia deixado de sonhar. Bastou mexer naquilo que guardava no lugar mais profundo do seu âmago para que os sonhos dominassem sua consciência. Naquela noite, sonhou com o seu primeiro treino e as duras palavras ditas pelo seu pai. Foi a única vez que sentiu raiva daquele homem. Entendeu apenas quando, no dia da sua primeira competição, ainda um garoto ingênuo, perdeu de forma vergonhosa. O pai não precisou dizer nada, o menino lembrou-se de cada palavra e da sua teimosia em não aceitar o que lhe era ensinado. Depois daquilo, outras derrotas viriam, natural para uma criança sendo moldada, mas nunca mais aconteceu por não ter prestado atenção em algum ensinamento do pai. Aquele homem era treinador de campeões e não seria menos eficaz com seu único filho. Ethan absorveu com humildade o que o pai dizia, e sempre prestava atenção nos competidores mais velhos. Quando saiu da categoria infantil e foi para a juvenil, não seria páreo para mais ninguém.

A semana seguiu com Ethan imerso em suas lembranças, quieto e reflexivo. Sob o sol e o cantar dos pássaros, Maria, frenética, transcrevia, reescrevia, editava, apagava, voltava a escrever até os ombros não aguentarem mais. Tomava algum relaxante muscular, dormia por algumas horas e o processo se repetia. Diego evitava ficar perto. Apesar de saber da importância de tudo aquilo, não conseguia deixar a preocupação de lado e para evitar brigas com a pessoa mais preciosa de seu mundo, afastou-se sem que Maria percebesse.

xXx

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