Capítulo 8

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      Maria atravessou os muros de concreto e arames farpados, mais segura que das outras vezes. Dessa vez, não achou tão constrangedora a revista e entendeu perfeitamente todas as regras e alertas de conduta que deveria tomar dentro daquela sala, sentada de frente para Silencioso.

Ethan perceberia essas mudanças. Desde o primeiro passo. Aqueles olhos castanhos não saíam dos seus. Maria o encarava, porém de uma forma diferente, não tinha mais medo, agitação ou ansiedade. A garota estava serena, tranquila, poderia jurar que sabia de coisas que ainda lhe seriam ditas.

— Boa tarde, Ethan — Maria despejou, assim que sentou à sua frente.

— O que aconteceu? — Ethan perguntou. A curiosidade lhe divertia.

— Como assim? — um juntar de sobrancelhas mudaria momentaneamente o seu semblante confiante para dar lugar a incertezas.

— Percebeu a forma como me chamou? — Ethan tinha um sorriso sincero no rosto, gostou de ter sido chamado daquela forma por ela.

— Esse é o seu nome, não é mesmo? — deu de ombros, mas sabia exatamente o que aquilo significava: aproximação.

— Certamente, Srta. Santiago — Ethan desviou o olhar, porém o sorriso permaneceu em seus lábios.

— Vou preparar o gravador e então podemos continuar...

— Não tenha pressa.

Maria não respondeu. Apertou os olhos e continuou com o manuseio do pequeno objeto em suas mãos. Gravou a data e colocou novamente no centro da mesa. Ethan acompanhava cada pequeno gesto também em silêncio, algo extremamente fácil para ele depois de vinte anos quieto. O que contradizia muito com seu passado. Apesar de ter ficado órfão de mãe muito cedo, teve de aprender a chamar atenção de outra forma. Ethan era conversador e um excelente contador de histórias. Seu pai tinha muito orgulho de toda aquela criatividade e os homens das fazendas em que trabalhava adoravam escutar o que o garoto tinha a dizer. Isso intensificaria em sua adolescência.

Nesse encontro, relataria a fase mais importante de sua vida, da qual sentia mais saudades. As competições infanto-juvenis acabaram; Ethan seguia para a carreira profissional. Uma carreira de muito sucesso, diga-se de passagem.

Maria observava aquele relato com muita atenção. A voz do homem à sua frente sumia em vários momentos decisivos, retornando intensa nos mais brandos. O relato era tão detalhado que a repórter quase conseguia visualizar as cenas de Ethan em cima daqueles cavalos tentando se manter preso a eles. Quase podia ouvir os sons das arenas de rodeios gritando por Lewis. Podia sentir o cheiro do seu suor misturado com o perfume das mulheres que o saudavam. O sabor da cerveja apreciada no momento de comemoração no final da competição. E os toques de Caroline sobre o seu corpo.

— Lembro-me como se fosse hoje, o orgulho que causei em meu pai quando ganhei minha primeira competição internacional. Era um domingo ensolarado. O sol ardia em minhas costas. Por mais grossas e protetoras que possam ser nossas camisas xadrez, elas nem sempre conseguem amenizar o queimado ardido. Essa foi a minha primeira campanha internacional, nunca imaginei que poderia sair desse país e acabei rodando meio mundo com apenas dezessete anos. Meu pai não pôde estar comigo nas principais competições. Senti muito a sua ausência, ele era meu treinador, mas também era de outros competidores. Oficialmente, nos registros, meu treinador era um amigo de infância dele. Como ele era contratado de outro competidor não poderia estar vinculado dessa forma comigo. O seu nome de fato só ficaria registrado no meu último ano como competidor.

Maria percebeu nesse momento uma ponta de ressentimento crescendo nos olhos amendoados de Ethan. Aquele homem significou muito em sua vida. Estava curiosa em saber se o pai viveu para ver o filho atrás das grades, porém não ousou perguntar. Na verdade, apenas escutava o que era dito. Estava completamente fascinada por sua história.

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