Capítulo 6

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 — Isso que dá! Deixar esses seres que mal conseguem andar sozinhos fazer o trabalho de homens! — o editor de Maria berrava.

— O que o senhor quer que eu faça? Ele disse que não ia responder nenhuma daquelas perguntas! Ele não quer ser induzido. Ethan não é estúpido, na verdade é muito inteligente. — Maria se remexia no assento do outro lado da mesa bagunçada.

— Já está lhe chamando pelo nome! Isso que falo sobre inexperiência. Era você quem tinha que persuadi-lo, e não o contrário.

Essa discussão seguiria por horas. Mesmo as portas fechadas da sala do editor-chefe, devidamente grafadas em letras grandes no letreiro do lado de fora, não foram suficientes para conter o que ali se dizia.

Colegas mais antigos — aqueles que tanto queriam e ainda desejavam essa oportunidade — nem disfarçavam o sorriso de escárnio em seus rostos. Os mais jovens tremiam e pediam para que nunca estivessem na situação de Maria. Diferente do esperado, a garota não abaixou a cabeça e expôs seu ponto de vista diante da situação.

A pressa que o editor tinha teria de ser contida. Sua mais nova funcionária estava certa. Bater de frente com Silencioso não era o melhor artifício. Quando Maria deixou o seu escritório, sentou-se atrás de sua mesa abarrotada de papéis. Clipes e grampos brigavam por espaço. O porta-retratos com a foto da esposa ficava oculto atrás do monitor que indicava que muito em breve precisaria ser trocado. As canetas se camuflavam naquela desordem organizada. O homem sabia onde encontrar tudo que procurava. Analisou com todo o cuidado a transcrição daquela primeira conversa. Possibilidades surgiam.

— Ele contará a sua história. Talvez ela seja descrita da forma correta, talvez não — dizia segurando os papéis em sua mão e girando o corpo com a cadeira.

Enquanto dentro daquela sala o homem analisava as possibilidades e oportunidades, Maria seguiria até sua mesa sob todos os tipos de olhares. Evitou contato visual. Não era uma pessoa muito passiva, se visse algo que não lhe agradasse certamente haveria confrontos. Algo que aprendeu muito cedo, ainda em solo mexicano.

— Nunca leve desaforo para casa! Não sou sua mãe, não é minha função te proteger!

Ouviria isso e muito mais de sua avó materna — única que conheceu e se esforçava em esquecer. O pouco que soube de sua mãe veio daqueles lábios rachados e dentes amarelados por conta do fumo em excesso.

Maria cresceu com uma visão distorcida da mãe. Sua avó denegria a sua imagem a todo instante. A menina acreditava, afinal ninguém soube lhe dizer quem era seu pai. Quando deixou aquele lugar empoeirado e foi morar com sua tia, adotou Kevin como seu pai, e seguiu dessa forma, mesmo não usando o seu nome, apesar de tê-lo em seus documentos.

Contornou a sua ilha e sentou-se diante do computador. Inspirou e expirou algumas vezes. Vincent olhava de canto de olho, já incomodado com aquele barulho. Seu espaço era pequeno e tão desorganizado como o de seu editor, e também como ele sabia exatamente aonde tudo se encaixava. Ainda com uma sensação de frustração, começou a organizar a sua papelada e um nome se destacou. Deixaria a redação sem qualquer explicação.



       O celular de Diego vibrava dentro do casaco devidamente acomodado no mancebo. Assim, só ficaria sabendo que Maria havia lhe procurado após o término da sua inspeção na obra de um novo condomínio de luxo que seu pai comandava. Vinha aos risos, no final daquela tarde, escutando as piadas que os operários contavam. Chegou até o trailer em que ficava o escritório. Bateu os pés, tentando tirar um pouco da lama em suas botas, antes de abrir a porta. O capacete amarelo que usava ficou depositado no mesmo mancebo em que seu casaco estava acomodado. Seguiu até o frigobar, pegou uma das garrafas de água, quase terminou em apenas um gole. Os dias de sol estavam mais intensos que o habitual. Tudo que ele desejava naquele momento era poder ir para casa e tomar um banho gelado. E quem sabe, mais à noite, fazer amor com sua garota. Desde que Maria fora incumbida de fazer a matéria sobre Silencioso, nunca mais fizeram amor. Diego já começava a desejar que o dia da execução chegasse logo para ter Maria de volta.

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