O Caso de Charles Dexter Ward

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Capítulo Dois 
ANTECEDENTE E HORROR

1

Joseph Curwen, segundo revelaram as vagas lendas ouvidas ou descobertas por Ward, era um indivíduo extremamente assombroso, enigmático, sombriamente horrível. Ele fugira de Salem para Providence — o abrigo universal dos excêntricos, dos homens livres e dos dissidentes — no início do grande pânico da bruxaria, temendo ser acusado por causa de seus hábitos solitários e de suas curiosas experiências químicas e alquimistas. 

Era um homem de aspecto insignificante, de cerca de trinta anos de idade; logo foi considerado digno de se tornar um cidadão de Providence; adquiriu então um lote para habitação ao norte daquele de Gregory Dexter, aproximadamente no início de Olney Court. Sua casa foi construída em Stampers Hill a oeste de Town Street, na parte que mais tarde se chamaria Olney Court, e em 1761 a substituiu por outra maior, no mesmo local, que ainda está de pé. A primeira coisa estranha em Joseph Curwen era o fato de que ele não parecia mais velho do que era na época de sua chegada. Ingressou no negócio dos transportes marítimos, adquiriu alguns desembarcadouros nas proximidades de Mile-End Cove, ajudou a reconstruir a Great Bridge em 1713 e a Igreja Congregacional sobre a colina; mas sempre conservava o aspecto indefinível de um homem não muito acima dos trinta ou trinta e cinco anos. 

Com o passar das décadas, esta característica singular começou a despertar grande atenção, mas Curwen sempre a explicava dizendo que descendia de antepassados vigorosos e levava uma vida simples que não o desgastava. De que maneira tal simplicidade poderia se conciliar com as inexplicáveis idas e vindas do comerciante e com estranhos brilhos em suas janelas a todas as horas da noite não era muito claro para as gentes da cidade, que estavam propensas a atribuir outras razões à sua perene juventude e longevidade. 

A maioria acreditava que isto teria muito a ver com incessantes misturas e cocção de substâncias químicas. Diziam os boatos que ele mandava vir estranhas substâncias de Londres e das índias em seus navios ou as adquiria em Newport, Boston e Nova Iorque, e quando o velho doutor Jabez Bowen chegou de Rehoboth e abriu sua loja de boticário do outro lado da Great Bridge com o Unicórnio e o Almofariz na tabuleta sobre a porta, houve intermináveis falatórios a respeito das drogas, ácidos e metais que o taciturno recluso continuamente comprava ou encomendava. Supondo que Curwen possuísse uma assombrosa e secreta habilidade de médico, muitos que sofriam de várias doenças recorriam a ele, mas embora parecesse encorajar sua convicção, ainda que de modo cauteloso, e sempre lhes desse poções de cores estranhas para atendê-los, observava-se que as coisas que ele ministrava aos outros raramente eram eficazes. 

Finalmente, quando mais de cinqüenta anos haviam se passado desde a chegada do forasteiro, sem produzir uma mudança de mais de cinco anos em seu rosto e físico, as pessoas começaram a murmurar de maneira ainda mais insistente e atender quase totalmente ao desejo de isolamento que ele sempre manifestara. Cartas pessoais e diários da época revelam também uma profusão de outras razões pelas quais Joseph Curwen era olhado com estranheza, temido e, no fim, evitado como a peste. Sua paixão pêlos cemitérios, nos quais era visto a todas as horas e com qualquer tempo, era notória, embora ninguém tivesse presenciado qualquer ato de sua parte que pudesse de fato ser definido como vampiresco. 

Ele possuía uma fazenda na Pawtuxet Road, na qual costumava morar durante o verão e para a qual frequentemente podia ser visto dirigir-se a cavalo nas horas mais estranhas do dia e da noite. Aqui, seus únicos empregados, trabalhadores braçais e guardas, eram dois taciturnos índios da tribo Narragansett: o marido mudo e com curiosas cicatrizes, e a mulher com uma expressão extremamente repulsiva, talvez devido a uma mistura com sangue negro. Num anexo dessa casa ficava o laboratório onde era realizada a maior parte das experiências químicas. 

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