O Medo á Espreita

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I.
A sombra na chaminé


TROVEJAVA NA NOITE em que fui ao solar deserto no topo da Tempest Mountain para me defrontar com o medo que estava à espreita. Eu não estava só, pois a temeridade não se confundia, então, com aquele amor pelo grotesco e o terrível que fez de minha carreira uma sucessão de horrores singulares na literatura e na vida. Estavam comigo dois homens fortes e leais que chamei quando chegou o momento, homens que, por sua peculiar adequação, havia muito se tinham associado a mim em minhas pavorosas investigações. 

Saíramos discretamente do vilarejo por causa dos repórteres que ainda se demoravam por lá depois do pânico sinistro de um mês antes — o pesadelo da morte arrepiante. Mais tarde, pensei, eles poderiam ajudar-me, mas não os queria naquele momento. Praza Deus eu os tivesse deixado partilhar da busca, pois assim não teria de suportar, sozinho e por tanto tempo, o segredo, suportá-lo sozinho temendo que o mundo me achasse louco ou ele próprio enlouquecesse com as implicações diabólicas da coisa. Agora que, de qualquer sorte, estou contando tudo para que as aflições não me enlouqueçam, gostaria de não o haver ocultado. Pois eu, e somente eu, sei que tipo de pavor estava à espreita naquela montanha espectral e desolada.

 Metidos num pequeno automóvel, cobrimos as milhas de morros e florestas primitivas até a encosta arborizada o impedir de seguir em frente. A região apresentava um aspecto mais sinistro do que o usual agora que a víamos à noite e sem as multidões costumeiras de investigadores, o que frequentemente nos induziu a usar a lanterna de acetileno apesar da atenção que ela poderia atrair. Não era uma paisagem salubre depois de escurecer, e acredito que teria notado sua morbidez mesmo se não tivesse conhecimento do terror que andava à solta por lá. 

Criaturas selvagens não havia — elas ficam alertas quando a morte furtiva aproxima-se. As velhas árvores atingidas pelos raios pareciam extraordinariamente grandes e retorcidas, e o restante da vegetação terrivelmente denso e febril, enquanto curiosos montículos e outeiros no terreno coberto de mato esburacado por fulguritos{1} sugeriam-me serpentes e crânios humanos avolumados a proporções gigantescas. O medo estivera à espreita na Tempest Mountain{2} por mais de um século. Isto eu logo fiquei sabendo pelos relatos dos jornais sobre a catástrofe que, pela primeira vez, atraiu o interesse mundial para a região. 

O lugar é uma elevação solitária e remota naquela parte das Catskills, onde a civilização holandesa penetrara, um dia, fraca e provisoriamente, deixando para trás, ao regredir, apenas algumas mansões arruinadas e uma população degenerada de posseiros habitando vilarejos esquálidos em ladeiras isoladas. Pessoas normais raramente visitavam o local antes da constituição da polícia estadual, e, mesmo agora, somente policiais montados o patrulham irregularmente. O medo, porém, é uma velha tradição em todas as povoações vizinhas, pois é o tópico principal da conversa simples dos pobres mestiços que às vezes abandonam seus vales para trocar cestos tecidos à mão pelos produtos de primeira necessidade primitivos que não podem derrubar com um tiro. 

O medo estava à espreita no temido e deserto solar Martense que coroava o cume alto, mas não escarpado, cuja propensão a freqüentes tempestades lhe valera o nome de Tempest Mountain. Por mais de cem anos, a vetusta casa de pedra rodeada de bosques fora o mote de histórias extremamente violentas e repulsivas, histórias sobre uma morte colossal, silenciosa e arrepiante que rondava o lado de fora da casa no verão. Com chorosa insistência, os posseiros contavam casos de um demônio que atacava os viajantes solitários depois do escurecer, ora os carregando embora, ora os deixando desmembrados, em estado de pavor absoluto; às vezes, eles segredavam histórias de trilhas de sangue seguindo na direção do longínquo solar. 

Para alguns, o trovão tirava o medo à espreita para fora de sua morada, enquanto que para outros, o trovão era a sua voz. Ninguém que fosse de fora da região acreditava nessas histórias variadas e conflitantes, com suas descrições extravagantes, incoerentes, sobre um demônio apenas vislumbrado, mas nenhum agricultor ou aldeão duvidava de que o solar Martense fosse mal-assombrado. A história local excluía essa dúvida, muito embora os investigadores que haviam visitado a construção depois de alguns relatos especialmente exaltados dos posseiros jamais houvessem encontrado a menor evidência de malignidade. 

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