O Caso de Charles Dexter Ward

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No outono de 1770, Weeden decidiu que era chegado o momento de falar aos outros sobre suas descobertas, pois ele tinha uma grande quantidade de fatos para relacionar e uma segunda testemunha ocular para refutar a possível acusação de que o ciúme e o desejo de vingança haviam estimulado sua imaginação. Como seu primeiro confidente ele escolheu o capitão James Mathewson, do Enterprise, que de um lado o conhecia o bastante para não duvidar de sua veracidade, e do outro era suficientemente influente na cidade para ser ouvido, por sua vez, com respeito. 

O colóquio realizou-se num quarto em cima da Taberna de Sabin, perto das docas, com Smith presente para corroborar praticamente todas as afirmações. Percebia-se que o capitão Mathewson estava terrivelmente impressionado. Como quase todo mundo na cidade, ele também alimentava suas próprias obscuras suspeitas a respeito de Joseph Curwen; por isso bastou apenas essa confirmação e um número maior de dados para convencê-lo completamente. No final da conferência, ele tinha um ar muito grave e recomendou rigoroso silêncio aos dois jovens. Disse que transmitiria a informação separadamente a uns dez dos cidadãos mais instruídos e destacados de Providence, indagando suas opiniões e seguindo qualquer conselho que eles pudessem oferecer. 

O sigilo provavelmente seria aconselhável em todo caso, pois não se tratava de um assunto que as autoridades policiais ou os milicianos da cidade pudessem resolver, e, acima de tudo, a multidão excitável deveria ser mantida na ignorância, para que nesses tempos, por si já conturbados, não se repetisse o pânico assustador ocorrido em Salem, menos de meio século antes, que trouxera Curwen para Providence. As pessoas que convinha informar da situação seriam, achava ele, o doutor Benjamin West, cujo trabalho sobre a tardia morte de Vênus revelara um estudioso e agudo pensador; o reverendo James Manning, diretor do College, que acabara de mudar-se de Warren e estava temporariamente hospedado no novo edifício da escola em King Street, aguardando a conclusão de sua construção sobre a colina acima de Presbyterian Lane; o ex-governador Stephen Hopkins, que havia sido membro da Sociedade Filosófica de Newport e era um homem do mais amplo discernimento; John Cárter, editor do Gazette; os quatro irmãos Brown, John, Joseph, Nicholas e Moses, reconhecidamente os magnatas locais, sendo que Joseph era um cientista amador de algum talento; o velho doutor Jabez Bowen, cuja erudição era considerável e tinha bastante conhecimento em primeira mão das estranhas aquisições de Curwen; e o capitão Abraham Whipple, um pirata de audácia e energia fenomenais, com quem se poderia contar para chefiar qualquer operação necessária. Caso se mostrassem favoráveis, esses homens poderiam se unir para uma deliberação conjunta e a eles caberia a responsabilidade de decidir se deveriam ou não informar o governador da Colônia, Joseph Wanton, de Newport, antes de agir. 

A missão do capitão Mathewson teve um sucesso superior às suas expectativas pois embora uma ou duas das pessoas de confiança a quem fez suas revelações se mostrassem céticas devido ao possível aspecto fantástico da história de Weeden, não houve nenhuma que não achasse necessário empreender uma ação secreta e coordenada. Estava claro que Curwen constituía uma vaga ameaça potencial para o bem-estar da cidade e da Colônia e devia ser eliminado a todo custo. No final de dezembro de 1770, um grupo de eminentes cidadãos reuniuse na casa de Stephen Hopkins e debateu várias medidas a serem tomadas. 

As anotações de Weeden, que ele entregara ao capitão Mathewson, foram lidas cuidadosamente e ele e Smith foram convidados a apresentar seu testemunho em certos detalhes. Algo muito próximo do medo apoderou-se de toda a assembléia antes que a reunião se concluísse, embora ao medo se misturasse uma inflexível determinação que as rudes e retumbantes blasfêmias do capitão Whipple expressavam do modo melhor. Eles não notificariam o governador, porque parecia necessária uma conduta mais do que legal. Com os poderes ocultos de alcance desconhecido de que aparentemente dispunha, Curwen não era um homem a quem se pudesse pedir que deixasse a cidade sem riscos. Represálias inomináveis poderiam decorrer e, mesmo que a sinistra criatura concordasse, a mudança não iria além da transferência de um problema imundo para outro lugar. 

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