***
Já era noite e a chuva continuava a cair. Estava em uma velha cabana agradável, a minha frente uma mesa cheia de doces e guloseimas que me deram água na boca aliás estava faminta, o que me manteve viva nos últimos meses não era considerado comida. Devorei tudo em um piscar de olhos. Não me importava se estava sendo educada ou não, a comida era deliciosa e meu apetite era imenso.
-Sei que mesmo depois de tudo que fiz pra você até agora ainda pode ser difícil acreditar em mim... Confiar em uma pessoa que se encontra no meio da floresta.- Ele disse com sua voz rouca.- Não teve boas experiências...
O olhei com desconfiança.
-Como sabe de tudo isso?- Pergunto dando um gole a uma xícara de chá. Que por sinal estava deliciosa.
-Existem coisas que precisa saber antes disso... Mas prometo lhe contar tudo.- Seu tom ficou sério, e seu sorriso se desfez.- Não poderá seguir em frente sem saber.
-Então comece... Cansei de segredos!
Ele fez um sinal positivo com a cabeça e retirou um livro de uma prateleira ao lado da mesa. Ele tinha uma aparência antiga, e suas páginas amareladas brilhavam com o dançar das chamas de uma pequena vela ali perto.
-Primeiro, precisa saber do que são as criaturas que viu até agora.- Ele abriu o livro.- A criatura que te ajudou, e a criatura que te perseguiu naquela noite, eram Demônios!
Meu corpo congelou, fui ajudada por um demônio, uma criatura misteriosa, mas que me livrou de minha morte mais de uma vez.
-E o caçador?- Pergunto com a voz trêmula.
-Tobias...- Ele disse triste.- Ele foi apenas mais um de seus fantoches, não era ele quem fazia aquelas coisas...
-Mas se realmente não quisesse, ele não teria feito!- Bato com minhas mãos na mesa despertando toda a sua atenção para mim.- Se foi "fantoche" de alguém foi por livre e espontânea vontade. Ninguém diz o que você tem que fazer, você simplesmente faz porque quer!
Ficamos em silêncio, meus músculos travaram, por algum motivo fiquei constrangida. Me sentei na mesa novamente.
-D..desculpe.
Ele me encarou por um tempo, provavelmente tentando absorver o que eu avia acabado de falar.
-Sei que lhe fez coisas horríveis e desumanas...- Ele finalmente quebrou o silêncio.- Toda a inocência de um ser tão jovem e puro, mudar uma vida para sempre!
Eu o encarei com meus olhos verdes e arregalados, minhas olheiras os deixavam fundos, me fazendo ser assustadora, sei disso por ter um pequeno espelho já gasto perto de mim, durante todo o tempo que estive ali, me avaliava diante dele, por mais que odiasse o que via, não posso fugir do que do que realmente sou... Do que eu me tornei.
-Mas nunca mude pelas coisas ruins que acontecem na sua vida!- Sua voz emitia uma ponta de esperança.- Pessoas boas, sofrem pelo simples motivo de serem boas, tem de provar sua pureza e sua bondade, que realmente são pessoas felizes. Vamos mudar ao longo da vida, isso é um fardo que todos carregamos, mas poucos crescem, evoluem e continuam a ter o mesmo sorriso que tinham antes de criarem espinhos, essa é a preciosidade da vida, pessoas que sofrem, machucam, caem, mas nunca deixam de dar um sorriso sincero, em um galho de espinhos, sempre haverá uma rosa que floresce firme e forte.
Quando percebi, chorava aos gritos, suas palavras eram tão sinceras e confortantes, que me deu vontade de viver, de poder acordar de manhã em um dia qualquer e ajudar minha mãe com seus afazeres, visitar minha avó nos fins de semana, ser uma pessoa feliz. Por um instante, esqueci tudo de ruim que aconteceu comigo.
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Lado Negro Da Chapeuzinho Vermelho
Short Story"'Cuidado com o Lobo, não saia da estrada' Essas palavras ecoavam na minha cabeça, era impossível não esquece-las... Se eu as tivesse dado mais atenção, nada disso teria acontecido... E se eu te dissesse que Chapéuzinho Vermelho, nunca chegou a casa...