Capítulo 1

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"A vida no vilarejo sempre foi muito agitada. Existem lendas e mitos, que cercam e moldam essa pequena vila. Lendas das quais causam medo a todos os moradores. Historias antigas de quando Heliant era voltada para as trevas. Onde ogros, lobisomens, orcs, vampiros, trolls, bruxas atacavam e destruíam tudo que viam pela frente. Naquele tempo não havia esperança, a fome e a pobreza assolavam aquelas terras. O medo dominava tanto o coração dos moradores que ninguém plantava nada, ninguém vendia, ninguém comprava. Alguma coisa precisava ser feita. Caso contrário aquele povo morreria nos braços dos próprios medos.
Foi em meio a esse desejo, quase como uma oração, que apareceu uma heroína. No começo ninguém acreditou. Era uma noite "normal" cheio de destruição. Os lobos gigantes haviam invadido Heliant. Corpos de várias pessoas espalhados pelo cenário. Ruas manchadas de sangue. E o desespero estampado no rosto de todos os moradores. Esse era mais um dia de sofrimento nessa pequena vila. Foi quando na entrada da vila apareceu uma mulher encapuzada com uma espada de prata que reluzia na luz da lua. Ela salvou todos matando alguns lobos e expulsando os outros. Ela protegeu aquela vila por anos. Mas sem nenhuma explicação a mulher sumiu. A caçadora da capa branca, como ficou conhecida, ganhou uma estátua em sua homenagem no centro da vila. Mesmo depois de tantos anos todos os moradores ainda esperam seu retorno."

***

— Isis, minha querida! — gritou Jasmine no pé da escada. — Desça agora! Preciso que vá ao *talho.

Isis demorou alguns minutos para descer. Ela precisava terminar o que estava fazendo. Sua mãe impaciente como era, continuou a gritar pela filha.

— Anda filha! Eu tenho que começar a fazer o almoço.

— Já vou mãe!

O que será que essa garota faz naquele quarto? Essa era uma dúvida que todos naquela casa tinham. Por vezes Vinny, o filho mais novo, tentava entrar escondido no quarto da irmã, mas sempre era pego. Era como se a garota soubesse que tinha alguem invadindo, e antes que o irmão chegasse perto da porta ela já estava lá esperando.
E quando perguntavam o que ela fazia no quarto, as respostas sempre eram vazias. Isis era misteriosa, todos na vila a conheciam, todos gostavam dela. Como não gostar de uma linda garota de olhos cinza azulado e longos cabelos pretos? Mas ela possuía muitos segredos. Foi vista diversas vezes andando pela floresta com alguma coisa embrulhada, medindo mais ou menos uns 90 cm de comprimento e estreito, parecendo um galho. Um dos oficiais que protegem a vila a seguiu. Ele ficou preocupado em ver uma jovem indo para a floresta carregando um galho. Começou a gritar por ela, chamar sua atenção para avisar que tinha uma criatura perigosa na floresta. Mas antes de conseguir chegar perto, a garota sumiu. Simplesmente desapareceu. Uma hora estava ali, e depois puff... Sumiu. Até hoje as pessoas que ouviram o relato do oficial querem saber o que ela estava fazendo por lá.

— Por que demorou tanto? — perguntou Jasmine assim que a filha apareceu na porta da cozinha.

Isis estava linda. Ela usava uma tiara de correntes no lindo cabelo preto trançado, um vestido com a parte de cima branca e a de baixo marrom e um cinto preto na divisa do vestido. Jasmine não conseguiu conter um sorriso maldoso nos lábios rosados.

— Você usando vestido? Isso tem alguma coisa a ver com o filho do **carniceiro? - provocou.

— Não... — respondeu a filha, ruborizando de vergonha. — Eu só quis mudar um pouco.

— Isso é ótimo! Eu não aguentava te ver usando aquela roupa preta.

— O que eu tenho que buscar? — perguntou a jovem bufando irritação.

— Hoje teremos uma visita da baronesa Maia e sua família. Preciso que você busque um leitão. E aqui tem uma lista dos outros ingredientes que você vai buscar na feira. — disse a mãe entregando um papelzinho. — Vá rápido. Alguns desses ingredientes são para o almoço.

Depois de algumas instruções desnecessárias de como escolher verduras e legumes, Isis saiu.

Heliant é uma vila muito bonita e pacífica. Nem parece aquele vilarejo das histórias dos anciões. Uma rua serpenteia por todos os lados como um rio de pedra. As casas eram parecidas e próximas uma das outras, algumas eram feitas de madeira e blocos de pedra com um telhado feito de palha talhada. E uma muralha de madeira cercava toda a vila.

Isis cortou caminho pelas vielas da vila até chegar ao carniceiro. Seria uma parada rápida, ela faria o pedido e Derek, filho do carniceiro, entregaria o leitão na casa dela. Mas ela paralisou na porta olhando para o garoto no balcão. Um rapaz negro, de 17 anos, sem camisa todo respingado de sangue e com a pele brilhando de suor. Os olhos âmbar estavam tão concentrados no trabalho que Derek nem percebeu a chegada de uma cliente. O coração da garota acelerou enquanto ela olhava para cada detalhe dele.

— Isis... — chamou uma voz rouca a esquerda dela. — Como você esta? Deseja alguma coisa?

Derek olhou para a garota e sorriu.

— Ah... Sim! Minha mãe pediu... um leitão. — disse ela, sem tirar os olhos do garoto.

— Filho! Poderia pegar pra ela e levar até a residência da Sra. Jasmine. — falou o carniceiro, um homem negro de cabelos grisalhos e olhos castanhos claro.

— Posso sim...

Os dois permaneceram olhando nos olhos um do outro por alguns segundos. Eles tinham combinado de manter a amizade escondida, então não trocavam palavras perto de outra pessoa. Derek era o único que sabia o que a amiga fazia na floresta. Ele já a ajudou diversas vezes.

Isis agradeceu, se despediu de Johan, o carniceiro, e saiu. Deu uma última olhada para o seu amigo entrando no outro cômodo e sorriu em despedida.

A feira estava lotada. Parecia que toda a vila estava lá. O centro do vilarejo desaparecia em meio a tantas tendas e pessoas andando de um lado para outro. Nem a estátua no centro era visível no meio de tanta gente. Alguns ***saltimbancos se apresentavam numa carroça perto da estátua da grande caçadora da capa branca, atraindo diversos olhares de curiosidade e alguns olhares de desaprovação do clero. Isis gostou um pouco das apresentações, mas não podia ficar para assistir. Ela tinha trabalho a fazer, e não podia demorar.

Jasmine estava terminando de limpar a casa quando sua filha chegou. As duas foram conversando até a sala. Onde a família se reunia à noite diante da lareira, se aquecendo e contando histórias antes de ir para a cama. E que também era cozinha, tendo como divisória uma pequena mureta.


— Você não vai adivinhar quem eu convidei pra jantar com a gente e com a baronesa. — dizia a mãe animada, e separando os ingredientes do jantar e do almoço.

— Quem? — perguntou Isis claramente confusa.

— O banqueiro Cornélio e o filho.

A duas verduras caíram das mãos da garota ao ouvir isso, mas ela pegou todas antes que chegassem no chão.

— Bons reflexos... — comentou a mãe com os olhos verdes brilhando de admiração.

— Por que você convidou eles?

Jasmine deu um suspiro antes de falar. Limpou as mãos no avental e disse:

— Filha... Eu sei que você não gosta desse assunto. Mas desde a morte de seu pai as coisas andam meio difíceis aqui, mesmo com Vinny trabalhando. E você ainda não casou. Chamei Cornélio aqui para tratar do seu casamento. Você e o...

Isis saiu correndo para o seu quarto deixando sua mãe falando sozinha. Trocou de roupa o mais rápido que conseguiu, colocando a sua habitual roupa preta de caça. Pegou o embrulho em cima do baú e saiu pela janela. Ágil como era, conseguiu sair sem ser notada e foi em direção a floresta. Só uma pessoa a viu correndo, e começou a segui-la.

*Talho: Local onde os carniceiros trabalhavam.
**Carniceiro: O mesmo que açougueiro.
***Saltimbancos: Atores que se apresentavam em feiras.

A Caçadora Da Capa VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora