O Garoto e a Garrafa

Capítulo 10

Selena andava nervosamente para casa. Os cabelos negros batendo em seu rosto dificultando cada vez mais a sua visão. Tinha horas que parecia que uma sombra a seguia, e horas que isso só parecia uma alucinação.
Ela abraçava cada vez mais o seu casaco de algodão e tentava desviar das lufadas do vento que encontrava-se muito irritado.

Talvez o Mike estivesse assim também.

Irritado e descontando nela.

Como essa ventania incessante.

Seus passos ecoavam pela rua desértica, já que era madrugada e não havia nenhuma alma perumbulando a essa hora.

Pic.

A lâmpada de um poste estourou.

Pic.

Mais uma estourou.

Pic.

Uma delas apagou.

Selena andava ainda mais rápido, seus membros estavam mais tensos do que nunca. Ela seguia a luz dos poucos postes que estavam acessos... ainda.

— Selena, Selena, minha doce, Selena — ouve uma voz ecoar por todo o espaço.

Seu coração deu um salto e outra lâmpada estourou, bem em cima dela. Vidros caíram em seus cabelos e ombros, contudo ela nem prestou atenção quando viu uma imagem a sua frente.

— M-Mike? — sussurra enquanto a sua face ganha um tom de surpresa e medo. Selena logo trata de disfarçar e de reformular a sua frase. — O que faz aqui? — indaga tentando disfarçar não estar assustada.

Mike surge por uma sombra de um dos postes, e sua feição não poderia ser mais assustadora. Ele estava com um sorriso travesso no rosto e com os olhos brilhando de loucura.

Não era o Mike que Selena conhecia.

E ela também não era a Selena que ele conhecia.

— O mesmo que você. Estou indo para casa... ah, esqueci, minha tia me deu um tapa na cara por ser expulso da escola e me mandou passar a noite fora — diz dando de ombros.

Selena não sabia de tudo isso, talvez se soubesse antes, poderia ter mudado a sua atitude.

Contudo agora estava feito, e ela não podia voltar atrás.

— Foi expulso?! — indaga surpresa.

— Briguei com o Dan e o assunto era você — responde chegando mais perto.

Ela sabia que eles dois eram inseparáveis, e nunca ficou sabendo de uma briga deles, o que a surpreende cada vez mais.

E o pior, a culpa era dela, ela sabia que sempre estava entre os dois.

E que o Mike a defenderia até contra o papa.

— Ele falou coisas de você que eu não gostei nem um pouco, e então depois de um tempo brigamos. E ai eu levei um tapa na cara da minha tia por ser expulso, depois o seu pai me bateu, e estou aqui. — diz o jovem enquanto aproxima-se da Selena.

Ela sempre pensara que quando falou com ele, mudou o universo todo, e principalmente a sua vida. Contudo aconteceu o contrário, assim que eles conversaram, ela atrapalhou a vida toda dele, e só vai piorar até eles se afastarem.

— Sinto muito. Só o que posso fazer é me afastar de você e da sua vida. — Desculpa-se cabisbaixa.

Mike por um momento titubeou. Ele não queria que ela saísse da sua vida, ele queria mesmo com tudo que ela fez, tê-la ao seu lado, mesmo que como amigos.

— Selena, não...— sussurrou, contudo a jovem o interrompeu.

— Adeus, Mike. — Se despede enquanto corre pela rua deserta.

Mike para estático de baixo do poste.

Ele olha de relance, e logo o corpo da Selena vira só um vulto, ficando cada vez mais distante.

Mike joga a garrafa em direção a uma parede com raiva, e a mesma se quebra em vários pedaços. Ao mesmo tempo uma ideia ressurge em sua mente.

No sonho ele havia aprisionado os maus espíritos na garrafa.

E eles não poderiam sair até que alguém a abrisse.

Algo que ele ainda não fez.

Então ele poderia se livrar da garrafa e finalmente se ver livre dela.

Claro, essa era uma ótima ideia, se desse certo.

— E então ela me deixou...de novo — responde Mike enquanto enche as suas duas mãos com areia.

— Foi melhor assim. Para o bem de todo mundo — comenta Dan deitando na areia morna da praia.

Já era fim de tarde, e os dois amigos — que haviam feito as pazes — estavam conversando e vendo o que fariam com a Galie.

— Nunca entendi porque ela tinha tanta indiferença comigo — reclama Dan olhando para o céu.

— Porque no jardim ela gostava de você, e você a ignorou e ainda colou um chiclete no cabelo dela. — responde Mike segurando uma risada.

— O quê?! A Selena Martin já gostou de mim?! — indaga o amigo levantando-se e mexendo os braços no ar de forma desesperada. — Como você soube disso?! Como eu pude me esquecer disso?! — pergunta com certo desespero.

Mike respira fundo deixando uma risada abafada sair.

— Eu perguntei a Galie, faz um ou dois meses, e agora eu lembrei. Engraçado, que a Grace gosta de você, a Selena Martin já gostou de você... e até a sua prima já gostou de você, a ponto de...— disse, contudo Dan fez-o parar com um soco no braço.

— Não toque nessa última parte, é lastimável — comenta rindo enquanto abraça o Mike.

— Talvez tudo tenha terminado bem, e como eu disse, talvez o doido do Paul tenha razão. Nunca vai acontecer nada entre mim e a Selena, isso é contra o universo. — Diz escondendo o rosto nas mãos. — Eu odeio a minha vida — continua enquanto levanta e limpa a sua bermuda por conta da areia.

Mike puxou Dan que estava sentado e tirou a Galie da bermuda entregando ao amigo:

— Quer fazer as honras? — pergunta com humor.

— Não, acho que isso você deveria fazer sozinho. Estou te esperando no começo da praia. — responde dando tapinhas no ombro do amigo enquanto anda em direção a saída.

Mike respira fundo e encosta a garrafa em seu rosto.

Quantas coisas havia passado, e agora tudo tinha acabado.

Descobriu quem matou a sua mãe.

Descobriu o que aconteceu com o seu pai.

Encontrou um velho amor.

Perdeu o seu amor.

Derrotou espíritos maus.

Se aproximou da sua tia.

E descobriu um motivo para viver, para existir.

Proteger o legado da Galie.

E agora iria levar esse legado a outra família.

E talvez eles levassem a outras gerações, e finalmente estaria livre.

Tomou distância e logo jogou a Galie no mar com bastante velocidade. Aos poucos ela foi levada pelas ondas, até ser vista até onde a visão humana conseguia chegar.

Até além do horizonte.

— Tia, cheguei — saúda entrando em casa.

— Oi, meu filho. Olha o que eu encontrei no porão — comenta tirando algo que estava envolto de um lenço.

Era ela.

A Galie.

Parecia que ele não conseguiria se livrar dela nem tão cedo.

Talvez ela devesse continuar nessa família.

Talvez ele tivesse esse fardo eternamente.