Trinta e Cinco

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Por conta de uma lesão no pulmão Misha tinha dificuldades para respirar sozinho, por isso ficou entubado e sedado. Durante o tempo em que melhorava, aconteceram algumas coisas que Jensen teve que lidar sozinho. Não que ele se queixasse, apenas deixava acumular as coisas em seus ombros.

James apareceu. Disse que precisava ver se estava tudo bem, e que queria dizer adeus de vez. Não que Jensen acreditasse. Depois disso, houve o irmão de Misha, que veio após uma ligação de Richard. Ele apenas disse que precisava ver com os próprios olhos que o irmão mais novo estava bem, e que Jensen não precisava incomodá-lo falando sobre sua visita, mas que ligasse caso acontecesse alguma coisa. Mas Jensen contaria. Aquele era o tipo de contato que Misha poderia não perceber, mas que precisava.

Eles disseram que ele já estava surpreendentemente melhor, e que em breve seria acordado Jensen não podia mais esperar.

○○○

Misha acordou. Respirou fundo e pode sentir seus pulmões enchendo e esvaziando após isso. Diferente de quando havia acordado antes, reconhecia o lugar onde estava. Os quartos do St. Luke's Hospital eram familiares para ele, e aquilo o fez se sentir, de certa forma, melhor. Sua cabeça doía, era como se ela gritasse que havia algo errado, e estava se sentindo tão cansado...

Sentia que tinha alguém com ele no quarto, mas a luz estava fraca, e ele não queria se virar para ver quem era. Imaginou que fosse Jensen. Se já estava tão perto de casa, certamente ele estaria ali com ele. Tinha certeza de que estaria. Tentou chamá-lo, mas aquilo parecia exigir esforço demais. Seu corpo necessitava de descanso. Fechou os olhos e voltou a dormir.

Na segunda vez em que acordou, sua cabeça já doía menos. Havia apenas um leve incômodo, que sussurrava somente para lhe mostrar que estava presente.

Ouviu uma voz suave e virou a cabeça em outra direção. Jensen. Havia um livro em suas mãos, e uma perna cruzada por debaixo da outra.

-Qual é o significado da vida? Isso era tudo – uma questão simples; uma questão que tendia a nos envolver mais com o passar dos anos. A grande revelação... -seus olhos se levantaram do livro e encontraram os olhos de Misha.

Eles tinham um verde iluminado. Não que ele não tivesse percebido antes, os olhos de Jensen eram uma das partes preferidas dele, e sabia o quanto eles eram fantásticos. Mas havia algo a mais ali. Um tipo de felicidade que transbordava por todo o seu rosto.

-Você acordou. -ele disse, com um sorriso no rosto. Continuava na poltrona, olhando para ele como se fosse a melhor coisa que já tivesse visto em toda a sua vida.

-Continue. -Misha pediu. Sua garganta estava seca, e ele tinha sede como se não tivesse encostado em uma única gota de água a séculos. Mas o esforço valeu a pena quando Jensen voltou a ler.

-A grande revelação nunca chegara. A grande revelação talvez nunca chegasse. Em vez disso, havia pequenos milagres cotidianos, iluminações, fósforos inesperadamente riscados na escuridão; aqui estava um deles.

Jensen fechou o livro, o colocou no apoio da poltrona e então se levantou e beijou a testa de Misha. Suas mãos seguravam o seu rosto ternamente e Misha finalmente se sentiu seguro.

Oito horas e dois cochilos depois, eles já tinham assistido a quatro documentários. Depois de exames em que foi constatado que Misha não tinha se ferido gravemente, lhe disseram que ele teria que ficar ali por mais tempo. Inclusive doze horas em repouso. Como se houvesse algo que ele pudesse fazer ali.

Avisaram a ele das dores de cabeça, do sono e do cansaço que a pancada na cabeça o causaria, e ele pode sentí-la novamente. Avisaram a ele da dificuldade de respirar, e ele sentiu novamente a faca lhe atravessar. Avisaram a ele que depois da observação, a polícia iria interrogá-lo. Mas ele só queria passar as doze horas em que tinha de ficar quieto, quieto com Jensen. Já haviam passado seis.

Quando aconteceu, ele pensou que iria morrer. Pensou que nunca mais iria vê-lo. E então quando tudo escureceu, ele teve repetidamente o mesmo pesadelo.

Acordava em um lugar escuro, com a voz de Jensen o chamando e acabava se afogando com ele. Quanto mais fundo, mais desesperadora era a sensação de que ele não conseguiria salvá-lo, e estranhamente a sensação de que iria se afogar junto com ele e de certa forma não iria abandoná-lo, que pelo menos estava com ele.

Mas o pesadelo havia ido embora, e agora o documentário sobre as 18 espécies atualmente existentes de pinguins parecia muito chato.

-Eu perdi muita coisa da reunião? -ele perguntou a Jensen, que estava quase deitado ao seu lado, com a poltrona totalmente reclinada e uma lençol que havia trazido de casa para Misha, mas que não deixaram que usasse.

-Eu não sei. Fiquei... Você sabe, fiquei esperando.

-Oh, sim. Ok. Me desculpe por isso. -abaixou a cabeça, imaginando o quanto Jensen poderia gostar de participar. Ele sempre parecia animado quando Misha lhe contava as coisas que aconteciam em suas ações.

-Você está pedindo desculpas... Por ter sido sequestrado? -Jensen perguntou, boquiaberto e com uma sobrancelha levantada. Eles se olharam por alguns instantes antes de rirem.

-Ok. Sem desculpas. Eu só... queria estar lá.

-Tudo bem. Tenho certeza que assim que melhorar, voltará para suas crianças. Agora só descansa, certo? Pensaremos nisso outra hora.

-Certo. -Misha não sabia se o silêncio que se seguiu foi pelo fato de documentários sobre animais serem uma parte importante da rotina deles dois, ou se deu pela necessidade de repouso- Como você sabia do livro?

Virginia Woolf era uma de suas escritoras favoritas, e Jensen sabia, e Ao Farol era sua obra favorita, porém não tinha dito isso de forma tão clara.

-Estava no meio de seus livros acadêmicos. -Jensen estava corando. Era muito bonita a forma com que suas sardas ficavam enfeitando suas bochechas avermelhadas.- Então eu pensei que talvez fosse porque você  tivesse lido mais de uma vez, ou ao menos lido recentemente.

Jensen era esperto e observador. Definitivamente não só um rostinho bonito, e com certeza muito mais inteligente do que deixava transparecer.

Na TV, o documentário chegava ao fim, para alívio de Misha. E então houve um doce e animado

-O que você acha de Alpacas?

Obrigada pelos 4K! <3

Thank You »Cockles AU«Onde histórias criam vida. Descubra agora