D O I S

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Ω

          Aquele era (parecia) um dia normal. Havia um sol, mesmo que tímido, suspenso no ar. Nuvens largas e deformadas espalhadas no céu. Havia barulho de vida transitando na cidade.

Mas havia um frio intruso de arrepiar a espinha que parecia prever um desastre. Uma catástrofe.

Ele havia mudado muito desde que o conheci; o mal humor estava ameno, as ironias, controladas. A raiva cessara.

Apesar de ele considerar tudo isso normal, ele havia mudado. Havia voltado a acreditar nas coisas (em algumas, pelo menos).

Eu havia plantado um sorriso e ele havia germinado e se tornado em felicidade. Havia cachoeiras de amor. E suas estrelas cadentes quebradas, voltaram a realizar desejos.

Ele havia voltado a desejar. A querer. A buscar. E a pensar no dia seguinte. Na manhã futura. Na semana a seguir.

Meu amor o havia mudado. Era bonito de ver aqueles olhos de avelã sorrindo. Aquela pele de pêssego emanando vida. Era assim que ele estava; vivo. Até que, naquela manhã, aparentemente normal, não estava mais.

Ele já não era mais ele. Era seu corpo, franzino e magricelo, mas não era mais ele. Aquilo o havia modificado.

Aquilo modifica as pessoas, as coisas. As levam. Aquilo é uma ladra. E usa sua pá de dor e abre buracos em nossos peitos. Poda sonhos. Aborta risos. E plorifera lágrimas.

Com certeza aquilo tão frio jogado no chão, igualmente frio, não era ele.

Eu me recusava a acreditar. Ainda me recuso.

Aquela boca esgazeada não era a dele. Era uma cópia exata, mas danificada. Não esboçava seus risos. Não liberava suas ironias. Não retribuía aos meu beijos.

Com certeza aquela não era uma manhã normal. E aquilo morto sobre o chão não era ele.

Prometo MorrerOnde histórias criam vida. Descubra agora