Ele

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Tu és o sol por trás do monte,

Tu és a ilha para além do mar,

Tu és o fogo que arde em minh'alma, 

Tu és a promessa de um amanhã.

É assim que eu me sinto por ti.

No dia em que me olhaste nos olhos

Algo em mim fundo bateu,

Como um dique que se abriu

 E tudo de mim fluiu.

A barragem, que durara toda a minha vida,

que continha a minha humanidade,  a ser construída, 

foi rachada e destruída por ti, por um levantar de sobrolho, 

enchendo-me de sensações estranhas e sentimentos contraditórios,

 Apaixonava-me pela primeira vez. A mim, novos territórios,

por ti; só de me teres olhado nos olhos. 

Foi um olhar intenso que a minha espinha agitou,

Um olhar que me quebrou por dentro e me reconstruiu,

 que me pareceu durar  para sempre mas o meu relógio me mentiu

e disse-me que que nem a um segundo chegou. 

Desde então, qualquer avistamento teu pela parte minha

impede-me de respirar e ser percorrido por suores frios. 

Amigos me picam pelas minhas reações à tua presença,

mas são eles quem estão cegos e não vêem a obra-prima

tão única e tão especial com que Deus nos abençoou. 

Azeviches que o mundo vêem,

 escuros como a própria noite, 

brilhantes como Orion no céu 

misteriosos como a amálgama de cores

 no sempre mutável universo. 

Muito terão visto, 

por muito terão passado, 

quantas paisagens, quanto esplendor. 

Uma vida, 

a sua, a dos outros, 

tudo isto foi visto e feito registo, 

quer na mente desperta ou adormecida, 

informação mais tarde acessível 

através de memórias ou pensamentos, 

agradáveis ou duros. 

Verão eles no seu reflexo o mundo que eu vejo?

As notas movem-se ao som 

do canto da água do ribeiro, 

do vento elevando os sonhos, 

do primeiro floco de neve a cair.

 Com tal melodia 

enchem-se os espíritos, 

suspendem-se as vontades, 

erguem-se os ouvidos 

E aquietam-se as almas. 

Pendurados nestas colcheias 

vão os argumentos e as ideias. 

Sustenha-se as respirações. 

Ninguém deve perder a simbiose entre

o barulho do ar a existir e o som profundo do teu ventre. 

Hesita-se um momento, coça-se a orelha 

durante meros segundos e confundem-se as harmonias. 

Ouvirão teus ouvidos a melodia que eu oiço?

Houstonias leves e suaves assim ficam, 

quando a melodia cessa, quedas mas irrequietas,

rapidamente se estendem, alargam, 

até em crescentes se transformarem, 

brancos e curvos, humildes e honestos,

únicos a cada virar de Lua, 

porém causando-me euforia,

 com o simples puxar de linhas. 

Ou, pelo contrário, podem murchar,

 e aí perde-se muito, imenso, demais, até,

 pois um cair de pétalas não significa o cair de pétalas por si só,

 mas sim todo o sofrimento que o terá causado. 

De longe, vendo as pétalas cairem,

 uma por uma, rasgo pele e músculo, quebro osso e tendão,

castigado por nada fazer para as ressuscitar, 

para lhes dar a sua força vital merecida.

Assim,

 recebendo e transmitindo, fazes tua vida, 

talvez simples, aos teus olhos, talvez normal,

mas também única, 

pois cada estrela apagada, 

cada falha de cadência na melodia, 

cada sorriso quebrado
é me sentido como se a mim me apunhalassem,

 não no corpo, que com esse bem podia,

 mas na alma, onde a maior dor se sentiria. 

Cada ausência, 

cada dia sem o avistamento da corça 

dourada, leve, gentil e decidida,

faz-me nulo e barulhento, cinzento e rochoso.

Assim, 

quero que saibas que não és despercebido,

que há quem encontrou uma beleza extrema em ti.

 Dizem que estar apaixonado é estar vulnerável.

 Assim estou eu, à tua mercê. 

Não importa o que guarda o futuro ou o que o passado engoliu. 

Só quero que saibas, 

anjo da minha guarda que me vela em sonhos, 

que a tua natureza tão única e tão especial,

 tão complicada mas tão simples

nunca será esquecida deste mundo, 

quer dele desapareçam o osso e a carne, 

o pó e a rocha, 

quer deixe de haver tijolo sobre tijolo, 

jamais será a tua marca desvanecida.

Dedicado a J.C.

Viver é morrer todos os diasOnde histórias criam vida. Descubra agora