Capitulo IV

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  As vezes é chato ficar longe da escola, você torce pra chegar as férias e depois torce pra acabar, muito contraditório, mas não vou me importar com isso, não vou ter a chance de voltar. As vezes eu penso em como será a vida depois que eu for, as pessoas vão lembrar de mim? E se me esquecerem totalmente?

  Talvez alguém em algum lugar pense como eu. Agora chega de ficar pensando nisso, hoje é sábado, isso quer dizer... Nada, eu nunca tenho nada pra fazer. Antes eu tinha, gostava de andar de bicicleta, caminhar nas praças, essas coisas. Agora não posso abusar muito. Também, não ia poder fazer nada hoje mesmo se tivesse.

  Agora estou aqui no hospital. Em uma cama me recuperando do que aconteceu hoje de manhã, eu odiava essas agulhas e marcadores pelo meu corpo, mas como eu cheguei aqui foi simples.

  Como eram nove horas desci para tomar café, estava quase no fim da escada, minha visão escureceu e acabei colocando o pé bem na ponta do degrau e ele escorregou, tentei me segurar no corrimão mas não consegui segurar firme, isso me fez girar enquanto caia e bati com as costas no chão.

  O impacto levou minha cabeça com muita força ao chão, o que me fez ficar desacordada, tudo o que me lembro é das coisas estarem se movendo em câmera lenta, meu pai se levantando do sofá e derramando seu café em seu jornal que ele lia toda manhã, minha mãe correndo da cozinha até a sala, estava caída, minha visão foi acabando lentamente igual os sons de suas vozes do meu lado, minha mãe parecia desesperada. Não me lembro de mais nada, só de acordar aqui com cada parte do meu corpo sendo monitorado por máquinas.

  Meu pai estava na sala comigo, estava segurando minha mão, até o médico chegar e chama-lo para conversar. Sabia que aquilo não era bom, eu vejo filmes, isso é mal, no mínimo ele vai dizer que essa queda acelerou minha morte, ou sei lá, criou outro tumor, se isso for possível. Minha maré de azar estava grande ultimamente.

  Esperei um tempo até que meu pai entrou no quarto com a cara um pouco nervosa e abatido. Minha mãe entrou em seguida logo atrás dele.

  -Pai, o que ele disse? —perguntei olhando diretamente pra ele tentando fazer uma cara de que estava tudo bem comigo e que não tinha medo

-Ele disse que não aconteceu nada, por sorte. Você vai pra casa amanhã minha filha. —Ele começou dizer olhando pra minha mãe e depois virando o olha pra mim.

-Não pai, ele não disse isso. Porque está mentindo? Isso afetou meu tumor não foi? —Meus olhos começaram a encher de lágrima mas eu consegui segura-las e continuar. —Quanto tempo eu tenho agora? Duas semanas?

-Não aconteceu nada. Você só vai ficar em observação pra terem certeza.

-Por que está fazendo isso? Eu sei que está mentindo. me diz a verdade. —Falo

-Tá bem... A batida pode fazer o tumor aumentar, eles vão ficar de olho pra ter certeza.

-Então, se ele tiver aumentado mais, eu posso... Morrer mais rápido?

  Ele só abaixa a cabeça sem responder mais nada. Saber que eu só tinha três meses assustava. Mas agora sabendo que eu podia ter menos, assustava mais ainda.

- Eles vão fazer alguns exames, não é certo, é só uma precaução. As chances disso ter acontecido não são muitas. - meu pai diz

  Logo o dia se passou, e logo chegou o domingo. Recebi alta do hospital e meu pai me levou para casa, era bem cedo então fiquei ali mesmo na varanda, via o sol entre as árvores do jardim e comecei a pensar.

  Quantas vezes mais eu ia poder ver aquilo? Eu gostava, comecei pensar em tantas coisas que falam sobre a morte, é uma coisa estranha, em um momento você existe, e no outro não. Não gosto de pensar sobre isso.

  De repente vejo meu pai voltando lá de dentro, ele parecia apressado.

-Pai? Aconteceu alguma coisa?

-Só um problema no trabalho filha, nada de mais. Volto logo tá bem? - Ele diz me dando um beijo na testa e pegando o carro.

-Tudo bem.

  Ele saiu meio rápido, acho que na verdade era um problemão. Meu pai era a pessoa mais importante pra mim, sempre que me lembro de todas as coisas da minha vida, ele estava lá pra me ajudar. Fiquei mais um tempo na varanda. O tempo se passou, e agora já faziam 5 horas que meu pai havia saído.

  Resolvi entrar para tomar água, mas percebo algo. Era minha mãe no telefone, ela parecia meio tensa, primeiro resolvi não perguntar e fui direto tomar água.

  Quando estava voltando, vi que algumas lágrimas estavam descendo pelo seu rosto.

- Mãe. O que aconteceu? Quem era?

- Era do hospital. -Ela diz se esforçando.

- Mais notícias sobre mim? Tudo bem mãe, não precisa chorar. - Falo colocando a mão em seu rosto.

- Não. Era sobre seu pai. -Ela diz olhando em meus olhos.

- Meu pai? Como assim, o que aconteceu com ele?

- Izzie, ele sofreu um acidente de carro. - Ela fala deixando umas lágrimas caírem.

- Não. Não. Não. Como assim, ele... - fico com medo de terminar a frase.

- Ah, não. Ele está em coma. Mas o estado dele é bem grave.

- Então vamos pra lá, agora. - Falo com lágrimas no rosto.

  Minha mãe pega o carro dela e vamos para o hospital. Comecei a chorar quando passamos por um cruzamento no centro dá cidade e vi o carro dele destruído. Não sabia como ele tinha sobrevivido aquilo. Sempre soube que era forte. Mas o lado do motorista estava completamente destruído.

  Quando chegamos no hospital, uma recepcionista nos mostrou o quarto em que ele se recuperava da cirurgia, o acidente havia fraturado sua coluna, ele tinha muita chance de perder os movimentos das pernas se acordasse, foi o que um dos médicos disse.

  Quando me disseram  aquilo, eu não tive mais reação.
Quando entrei no quarto, corri até sua cama, estava todo entubado, com ferimentos por todo o corpo.

  Comecei passar a mão em seu rosto que estava agora cheia de pontos feitos pelos médicos. Deitei minha cabeça sobre seu peito sem deixar todo o peso sobre ele é claro, afinal ele estava se recuperando.

  -Você vai ficar bem, eu prometo, você tem que ficar - sussurro enquanto escuto seu coração bater.

  Minha mãe ficou parada na porta do quarto. Ela parecia em choque, não estava acreditando no que via. Meu pai nunca tinha sofrido nenhum acidente, nada que o trouxesse ao hospital.

-Como aconteceu? - Pergunto a enfermeira que estava no quarto.

-Parece que seu pai estava atravessando o cruzamento na rua principal do centro, e um carro apareceu do nada passando o sinal vermelho e pegou o carro de seu pai. - Ela responde.

- E o motorista do outro carro, onde está?

- Ah, ele... Não sobreviveu. Veio a óbito agora a pouco. - Ela diz.

  No momento vejo uma garota passar na porta do quarto do meu pai. Parecia ter a minha idade.

- É a filha do motorista do outro carro - A enfermeira diz enquanto me via olhando ela.

Olhei pra enfermeira, e comecei pensar naquela menina, acabou de perder o pai. Como ela estaria se sentindo. Tá, foi culpa do pai dela, mas mesmo assim, não muda a dor que ela estava sentindo. Ela passou de cabeça baixa segurando uma foto com as duas mãos na altura do coração.

  Fiquei olhando meu pai, não iria sair dali tão cedo, minha mãe também não quis sair de lá.

Já eram dez horas dá noite, minha mãe teve que ir embora, ela ficou o tempo todo tentando me fazer ir embora, mas eu só queria ficar o tempo todo do lado do meu pai. Não podia abandonar ele ali. Ele nunca me abandonou. Não ia fazer isso.

  Depois de um bom tempo, acabei adormecendo na cadeira ao lado enquanto segurava sua mão.

Vivendo o AmanhãOnde histórias criam vida. Descubra agora