Capítulo I

2.7K 197 33
                                    

Sinais.

Alertas imagéticos, ou não, que permitem identificar algo. Pode ser uma mania - o bater do pé esquerdo quando nervoso; um gesto – a mão que vai em direção aos cabelos involuntariamente quando mente. É o que eu deveria ter enxergado quando as seguintes palavras ecoaram no meu celular:

"A gente precisa conversar!"

Essa simples frase aciona um alerta e desencadeia uma série de questionamentos:

— Aí meu Deus, o que eu fiz?

— O que será que o outro quer conversar comigo?

— A gente precisa mesmo conversar?

Para a maioria das pessoas, funciona assim. Mas, comigo não. Não que eu seja o ser superior, que não liga para nada, pelo contrário. Sou a sistemática, a que janta sempre no mesmo horário, que pede sempre o mesmo sabor de sorvete e programa todas as horas da sua viagem... Voltando a interpretação dos sinais... (foco também não é o meu forte, vocês perceberão isso ao longo do tempo) quando eu recebi essa mensagem do meu namorado. Eu interpretei da seguinte forma: "Vamos nos ver ;)" — sim, com direito a emoji de olhinhos piscando, clima de flerte...

E assim fiquei esperando-o em frente ao escritório que eu trabalhava. Eu usava o uniforme da empresa: uma calça social preta, uma blusa três quarto amarelo bebê e um blazer preto, nos pés uma sapatilha. Retoquei o batom nude e apliquei uma máscara de cílios incolor, estava pronta.

Um a um, vi meus colegas passarem por mim. O horário do expediente já havia encerrado e agora lá dentro restavam apenas o gerente e o pessoal da marketing, as mentes criativas. Eles estava atrasado, havia quinze minutos... Quarenta minutos depois, uma mensagem surgiu na minha tela:

"Preso no trânsito. Chegar aí, vai demorar mais do que eu pensei. Melhor nos vermos em sua casa mesmo."

Essa mensagem enviada quarenta minutos atrás e eu teria evitado o rush do metrô. Quando por fim, cheguei a minha humilde residência. (Um apartamento minimalista, nas minhas palavras. Nas palavras dos meus amigos — uma quitinete com uma varanda.)

— Demorou... — foi a sua recepção quando abrir a porta com duas pizzas congeladas e coca. Ele já esperava na sala.

— Passei no mercadinho da esquina e comprei pizza, portuguesa a sua favorita.

— Comi no caminho...

— Tudo bem, a gente come mais tarde... Passei para a cozinha e guardei a pizza, ofereci uma coca e ele recusou, abri a minha e sentei no sofá deixando as sapatilhas caírem no chão enquanto eu me aconchegava no sofá. — Recebi o convite da Su, seremos padrinhos. Isso significa, alugar vestido, marcar horário no salão... a lista de presente está numa loja na zona sul, podemos ir lá semana que vem...

— Carolina, eu andei pensando... não ouviu o resto da frase. Até para a pessoa mais desligada aos sinais eu percebi. Dessa vez, eu não era a Nina, a Carol, o meu amor. Eu era Carolina, ouvi meu nome de batismo saindo da sua boca me despertou uma sensação ruim. Uma espécie de premonição... — Você ouviu o que eu disse?

— Eu estou com uma dor de cabeça chata — levantei do sofá num pulo e quando ia passar por ele, sua mão tocou meu braço, dessa vez seu toque não transmitiu uma carga de energia por toda a extensão do meu corpo.

— Carolina, escuta — apontou para o sofá e sentamos juntos — desde que você começou a trabalhar no escritório.

— Não começa...

— Você vive cansada... É um inferno ir até a zona leste para te pegar... Eu andei calculando eu perco duas horas por dia só nesse trajeto. — ele falava compassadamente cada palavra, parecia que havia ensaiado o discurso em frente ao espelho.

— Perde? Desde quando ir me pegar no trabalho virou perda de tempo? — minha voz saía entrecortada, doía ouvir ele dizer que ir até o meu trabalho era perda de tempo. Estávamos juntos há dois anos e durante todo esse tempo ele sempre fizera questão de ir me buscar no trabalho. Eu não entendia essa agora.

— Desde quando tenho outras prioridades — seu tom foi suave, nem parecia que estávamos brigando. Esse era o seu trufo, ter o controle das emoções.

— Prioridades que eu presumo não fazer parte. — minha voz saiu por um fio e eu tentava conter as emoções.

Nunca deixe um homem vê-la chorar, nunca exponha sua fraqueza a ele ou você será esmagada. Veja só o a o que seu pai fez com a sua mãe. A voz da minha avó materna ecoava na minha mente e as lágrimas que ameaçavam escapar desapareceram. Eu não iria deixá-lo me ver chorando, eu não deixaria que ele me tratasse como meu pai tratava minha mãe.

— O problema não é você, sou eu. Eu estou passando por um momento difícil. — E ali estava o artifício mais utilizado durante um término - o uso do coringa, para se travestir de bonzinho

— Eu achei que os amigos permanecessem juntos nos momentos de dificuldade — eu também sabia jogar.

— Não dá mais...

— Ok! — eu mantive minha expressão serena, eu não poderia deixa-lo achar que me venceu.

— Droga! — bufou — eu achei que ao menos uma vez na vida você fosse fazer um show, gritar, chorar...

o— Quanta pretensão! Mesmo que eu estivesse sentindo vontade de fazer isso, não iria te dar esse gostinho. — falei contendo o embargo na voz.

— Claro que não. É frígida demais para ter qualquer reação. — a cartada final foi dada.

 Meu rosto congelou tal qual o fim dos capítulos de Avenida Brasil, os créditos foram subindo que nesse caso era a própria repetição da sua frase em diversas fontes e tamanhos e a trilha sonora foi a porta sendo fechada ruidosamente.

___________________

Gostaram do que leram?  Faça a autora feliz e deixe seu comentário e voto >3

Temos um encontro marcado todas às segundas ;)

Isis Fogaça 

Encontro Marcado *** DEGUSTAÇÃO ***Onde histórias criam vida. Descubra agora