Não entendi bulhufas do que você disse... - Samanta virou-se para Mabel, sentada em uma cadeira com rodinhas, diante de sua escrivaninha, onde digitava histórias em uma máquina de datilografia, recém pintada com uma cor vermelho escarlate.
- Eu disse que eu ouvi... - Mabel respirou fundo, ainda ofegante. - Glorinha e o papai conversarem sobre você.
Samanta levantou-se da cadeira, andando em direção à porta, para fechá-la.
- O que você ouviu? - perguntou em um tom baixo o suficiente para que apenas Mabel a ouvisse.
- Alguma coisa sobre chá.
- Droga. - Samanta olhou através da janela, e avistou os portões da casa se abrirem, com o reconhecível barulho do fusca vermelho do seu pai.
- Droga... por quê? O que você fez dessa vez? - Mabel perguntou curiosa, também seguindo a irmã em direção à janela.
- É uma longa história. Preciso sair. - Samanta abriu a porta depressa, na esperança de sair disfarçadamente pela porta da cozinha, como normalmente fazia quando seu pai descobria alguma das suas travessuras. No entanto, um corpo esguio, de 1,80 de altura, precisamente, estava em sua porta, assim que ela foi aberta.
- Aonde pensa que vai? - Glória segurou o braço da menina.
- Que desgraça. - Samanta reclamou baixinho.
- Epa! Quer que eu lave a sua boca com sabão, garota?!
- Você já sabe? - perguntou Samanta, enquanto sentava-se na cama de solteiro com dossel em renda. Convencida de que não havia saída.
- É, você é mesmo muito boa em me enganar. - Glória sentou-se no pequeno sofá de veludo marrom, que enfeitava o quarto das meninas. - Whisky, Samanta?
- Eu estava triste... - Samanta revirou os olhos. - E eu já tenho quinze anos.
- Quinze anos, menina? Com quinze anos eu estava brincando de bonecas.
- Ah, Glorinha, você é velha. - Ao terminar a frase, Glória a encarava com aquele olhar que prometia uma surra. - Quer dizer... Os tempos mudam. E aliás, eu tenho muitos problemas.
- Nossa! Ela tem muitos problemas! - Glória gargalhou enquanto apontava para Samanta com o polegar, direcionando seu olhar sarcástico para Mabel, que assistia a tudo, encostada no armário. - Francamente, dona Samanta. - Levantou-se do pequeno sofá, arrumando seu avental azul-bebê com destreza. - Seu pai está subindo para conversar com você, nem tente fugir, ou eu te caço aonde quer que esteja.
Glória fez sinal para que Mabel saísse do quarto e trancou a porta, colocando a chave em seu bolso. Samanta olhou para a janela, para verificar se seu pai ainda estava no jardim da casa se alongando, como costumava fazer quando chegava do trabalho em seu maldito fusca. Samanta e Mabel odiavam o chamativo fusca vermelho, e não entendiam o porquê de um homem abastado fazer tamanha questão de continuar com aquele ridículo carro. Se ao menos não fosse um vermelho tão vivo.
Ouviu os cochichos de Mabel e Glória descendo às escadas, provavelmente cogitando a possibilidade dela pular a janela do quarto. Samanta se olhou no espelho em formato circular, que ficava atrás da porta do seu quarto. Ajeitou seus cabelos ruivos, tão vivos quanto o maldito vermelho do fusca. Deu algumas leves batidinhas em suas bochechas sardentas e coradas, para se certificar de que sua aparência externava uma garota completamente normal. Como se de nada soubesse. Acabou lembrando também, como odiava as sardas das suas bochechas.
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A última linhagem
Mystery / ThrillerA família Dante Maia esconde um grande segredo. Não é novidade alguma para qualquer morador da minúscula e pacata cidade de Clareira de Misé, onde os ventos têm ouvidos e, onde há não muito tempo atrás, uma famosa curandeira - ou bruxa, como todos p...