Julia

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 Sentei no sofá de minha sala ao lado de Alice, ela estava com o rosto pálido e perdida em seus pensamentos. Olhei para meus pés descalços e permaneci em silencio enquanto esperava Alex terminar de dar seu ataque de histeria.

Forcei minha mente a tentar lembrar de algo daquela noite, mas não consegui lembrar de nada. Como eu posso ter esquecido de algo tão importante? Olhei novamente para o celular e não consegui reconhecer-me. Sei que sou eu apontando a arma para esse homem, mas como eu poderia fazer isso? Não sei como manusear uma e esse silenciador, onde ele está?

- Julia, você falou com mais alguém aquela noite?

- Não Alex. Eu acho que não.

- Não existe espaço para um "Eu acho" aqui.

Ela cruza os braços e batuca o pé no chão. Talvez agora seja uma boa hora para contar sobre a câmera que achei na minha sala, talvez as imagens sejam delas.

- Tenho uma coisa para contar.

Alice pela primeira vez me olha e percebo que ela está pisando na tênue linha que a separa do desespero.

- Fala Julia.

Alex está irritada e sei que deveria contar sobre as câmeras, mas eu devo sair dessa enrascada sozinha, não posso continuar envolvendo minhas irmãs.

- Eu voltei a beber.

- E algum dia você parou?

Alex bufa e sai da sala, ouço o barulho da porta de minha sala batendo com força. Olho para Alice que tem uma expressão de decepcionada no rosto. Não era uma boa hora, mas também não conseguiria pensar em algo melhor.

- Preciso ir para a minha casa. Você vai ficar bem?

- Sim.

A acompanho até seu carro e volto para a minha casa. Pego meu celular e olho a mensagem novamente. Definitivamente a imagem veio da câmera que encontrei escondida na bíblia de minha mãe. Tentei ligar e enviar mensagens para o número do remetente, mas era bloqueado. Liguei para Guilherme, mas ele não me atendeu, provavelmente já estaria dormindo, pois já passava da meia noite. Peguei uma garrafa de vodka e entornei ela pura, não senti seu gosto pois deixei que ela descesse diretamente pela minha garganta. Só parei de beber quando senti ela me queimando por dentro, baixei a cabeça e me senti tonta. Tudo ao meu redor girava e tomava formas estranhas. Andei cambaleante até meu quarto e cai de qualquer jeito sobre a minha cama, fechei os olhos e logo deixei a escuridão me dominar.

Acordei com uma dor de cabeça horrível. Meus olhos estavam inchados e ao olhar meu reflexo no espelho, percebi que minha aparência entregava o porre que havia tomado na noite anterior. Tomei um banho com agua gelada e tentei disfarçar minha cara de defunto com várias camadas de maquiagem, coisa que eu fazia muito bem. Peguei uma xicara enorme de café e corri para o meu carro, se eu continuasse a chegar atrasada no jornal onde trabalho meu chefe iria me demitir e eu já estou com problemas demais para acrescentar esse na minha lista.

Entrei na redação e o local estava movimentado como em todas as manhãs de segunda feira. Pela primeira vez em meses cheguei 10 minutos adiantada, então corri até a minha mesa e liguei o computador, enquanto esperava o aparelho ligar, fiquei procurando por meu chefe José. Ele é um homem na casa dos 30 anos, vive dizendo que eu consigo vencer a bebida e usa sua história de superação como exemplo. Ele pesava cerca de 108 quilos com apenas 20 anos e em um belo dia de verão quando foi para uma praia e precisou de ajudar para conseguir levantar da areia, pois ele não conseguia se manter firme, resolveu mudar de vida e agora é o sarado e gostoso José. Deus grego das estagiarias, mas a pior parte é que ele é realmente bonito e não faz a menor questão de usar toda essa beleza para ser o pegador, pois gosta de ser o santinho.

Fico observando ele andar até o bebedouro. Preciso que ele me veja, afinal cheguei cedo, ele vai me dar um crédito quando perceber que estou chegando antes mesmo do horário. Então pego a minha garrafa térmica e ando um pouco rápido demais, ele para e conversa com uma das moças da limpeza que passava por ele. Fico posicionada com as costas virada para ele, deixo a torneira encher vagarosamente minha garrafa enquanto ensaio uma cara de surpresa. Ele vai vir falar comigo, se não falar, vai me ver, estou no meio do caminho de seu escritório, é impossível ele não me ver.

- Devo avisar aos rapazes da previsão do tempo, que hoje ira chover canivete.

Ele me viu, contenho um sorriso e faço minha cara de surpresa.

- Oi José. Tenho que trabalhar, amo meu emprego e não quero perder ele.

P.S.: Conheço seu crimeOnde histórias criam vida. Descubra agora