Julia

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 Bebo um gole da água que estava na garrafa e contenho um cuspe ao perceber que não verifiquei ela antes e para meu azar ainda havia muito do café que sobrara de sexta. Não tive estomago para engolir e não queria cuspir na frente do meu chefe. Segurei na minha bochecha e sai sem dizer nada, mas ele ainda não tinha terminado a conversa e me seguiu.

- Fico muito feliz de te ver aqui, mas você precisa ir até o depósito – Apenas concordo com a cabeça e ando mais rápido, ele continua a me seguir – Vamos até a minha sala, vou te dar o recibo de retirada da sua câmera nova.

Não vou ter escapatória, vou ter de engolir essa merda. Deixo o café velho e aguado descer, sinto meu corpo lutando para por ele para fora. Respiro fundo e sigo meu chefe. Não vou vomitar na frente dele, chega de dar bola fora.

- Tenha mais cuidado com essa câmera. O departamento financeiro não vai ficar arcando com as despesas de uma funcionaria desastrada.

Ele entrega um recibo assinado e carimbado por ele. Pedi novamente mil desculpas pelo prejuízo que causei estragando a outra câmera. A alguns dias fui trabalhar completamente bêbada e acabei atirando minha câmera contra a parede. Embora não lembre de completamente nada, meus colegas de trabalho disseram que eu estava agitada e muito violenta. José pediu para abafarem o acontecimento e a história que correu foi que deixei minha câmera cair acidentalmente.

Andei apressada em direção ao elevador de acesso ao estacionamento subterrâneo. Eu poderia entrar no depósito pela porta de acesso externa, mas estava chovendo e eu não trouxe um guarda-chuva. Atravessando o estacionamento, posso entrar pela porta dos funcionários e pegar minha câmera, tudo em metade do tempo.

Sai do elevador e o estacionamento estava vazio e gelado, pensei que estaria mais movimentado devido a troca de expediente do jornal. Andei vagarosamente e somente meus pés faziam ecos no chão. Deixei meus músculos relaxarem e andei alguns poucos passos com os olhos fechados.

- Julia.

Senti uma mão tocando meu ombro e virei rapidamente, já preparada para responder a voz desconhecida que me chamava. Um vento frio tocou meu rosto e fico petrificada ao perceber que não existe ninguém no estacionamento, ninguém além de mim. Virei novamente em direção ao depósito e andei mais rápido, não fazia sentido voltar ao elevador, já andei mais da metade do caminho. Um sentimento de alivio e terror subiu por meu corpo quando outro conjunto de sapatos começaram a ecoar pelo estacionamento, no corredor paralelo ao meu. Parei de andar e a outra pessoa também parou, alguns milésimos de segundo depois.

- Oi? Tem alguém aí?

Nada. Nenhuma resposta ou o som de outros passos. Voltei a andar ainda mais rápido e novamente ouvi outros passos me acompanhando. Comecei a correr e resolvi passar por entre os carros estacionados, cortando caminho até o depósito. Atravessei o corredor B4 e a porta de acesso ficava ao final do B6, ainda estava longe então comecei a correr mais rápido. Senti minha respiração ficar pesada e meus pulmões queimarem. Ao atravessar a rua de duas mãos que separava o bloco B4 e B5, ouvi o som de pneus cantando e instantaneamente parei. Olhei ao redor e vi uma Montana prata atravessando o corredor e fazendo uma curva fechada em minha direção. Pulei a tempo de desviar do carro e ver ele passar direto, e frear bruscamente. Corri o mais rápido que pude e sem ao menos olhar para trás. Meu coração batia acelerado e eu não conseguia ouvir nada além de minha respiração.

Avistei a pequena porta do depósito e meus olhos encheram de lágrimas. Passei a mão em sua maçaneta e joguei meu corpo sobre ela, entrando violentamente em uma ampla área gelada e com cheiro de mofo.

Encontrei o enorme segurança Rodolfo, ele é um homem negro e alto, como todos os seguranças do jornal seu porte atlético e essencial. É um homem simpático e que trabalha em três empregos a fim de pagar o tratamento da doença terminal de sua mãe. Andei apressada em sua direção, desviando de algumas poucas pessoas que me olhavam com desprezo, devido a minha aparência suada e descabelada. Estava prestes a acenar para ele quando senti meu celular vibrando, pensei em ignorar, mas quase que automaticamente peguei o pequeno aparelho e visualizei a mensagem. Parei instantaneamente, ao ler a mensagem sem remetente.


P.S.: Conheço seu crimeOnde histórias criam vida. Descubra agora