UM

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Pensa em uma caixa grande e vazia. Pensou? Eu sou o que tem dentro da caixa.

Sobreviver ao 7° ano no C.E.A.R.(Centro Educacional Afonso Rodrigues)quando se é eu não é uma tarefa fácil. Nunca fui popular. Não sou do tipo que tem um milhão de amigos reais ou virtuais. Então, mais um dia preciso levantar cedo da cama pra viver tudo de novo.

Entro na escola e uma bolinha de ping-pong acerta em cheio a minha cabeça me fazendo soltar um gemido de dor.

- Foi mal aí mas você estava de lado e, bom, fica difícil de te ver - zoa Leonardo Berti fazendo todos rirem.

É incrível como os meninos dessa idade são todos iguais. Ah, se ele não fosse tão lindo...

Forço uma risada como se não tivesse me importado, puxo a manga do meu moletom para cobrir as mãos e vou em direção ao banheiro que por sorte estava vazio. Fico encarando o espelho por uns segundos(o que normalmente evito fazer) e mentalmente me faço as mesmas perguntas de sempre: "Por que eu simplesmente não posso ser igual as outras meninas da minha idade? Por que eu vejo o corpo de todas evoluindo com o tempo e o meu ficando na mesma etapa das crianças do quinto ano?" Que coisa ridícula e sem sentido. Isso não deveria importar tanto, deveria?

O sinal toca chamando todos pra aula de matemática. Eu até gosto da matéria, mas o professor me deixa estupidamente nervosa.

Pouco tempo depois o mesmo professor que me deixa sem graça e me sentindo idiota me pediu pra responder uma questão no quadro. Sim, eu sabia a resposta mas, sim, eu também sabia que mal conseguiria segurar o piloto com os tremores da minha mão ou ao menos ficar em pé com minhas pernas fracas e, SIM, EU CHEGO A ESSE NÍVEL DE TIMIDEZ!

- Então? - disse o professor quase sem paciência me incentivando a pegar o piloto de sua mão.

Eu limpo a garganta e faço o que ele pede. Vou á caminho do quadro e ao erguer o piloto ele, por algum motivo, cai da minha mão. Maldita gravidade.

Risinhos já esperados são ouvidos.

Então resolvo a questão e só quando dou um passo pra trás para ver melhor o que fiz percebo que meus números ficaram tremidos e tortos. Olho pra trás e todos estavam cochichando alguma coisa. Meus olhos foram diretamente á Leonardo Berti que perfurava meus olhos com os seus. Percebo um leve sorriso no canto da sua boca, ele pisca pra mim até eu entender que ele estava me zoando como o resto.

- Ótimo, pode ir se sentar.

Volto pro meu lugar na última cadeira da primeira fileira, coloco alguma música aleatória pra tocar nos fones, abaixo a cabeça e fico ali.

Intervalo.

- Você sabe que não posso deixar ninguém ficar na sala durante o intervalo, Lala, vamos. - disse a monitora me expulsando da sala.

- Mas Adriana... - falo devagar só pra ganhar tempo de pegar o apontador na minha bolsa.

- "Mas" nada, tchau, senhorita Laís Albuquerque!

Saio bufando e vou direto no box do banheiro.

Puxo as mangas do moletom deixando á mostra as recentes marcas que fiz. Não, eu não me orgulho nem um pouco disso. Mas eu não sei explicar, a sensação me agrada, sabe? Me alivia de alguma forma... Me ajuda quando sinto essa coisa vazia, tão fria, tão inexplicável.

Então eu tiro a lâmina que já está solta dentro do apontador. E enquanto eu sentia aquilo doer e arder, o sangue escorrer, eu penso em como sou frágil e penso nas coisas que me levam a ser frágil. Não ser aceita pela sociedade não deveria significar muito, tipo, que se ferre essa merda! Como eu queria não ligar pra isso... Eu deveria ser forte, deveria saber como lidar com tudo isso, mas ninguém nunca fez questão de me ensinar e sozinha eu não sou capaz. Eu me odeio por isso. Me odeio porque sou fraca, me odeio por não aguentar isso sozinha, me odeio por não ter forças pra erguer a cabeça e seguir em frente ao invés de ficar trancada no box do banheiro chorando sangue. Me odeio por deixar que mais marcar apareçam no meu braço por culpa deles.

É isso, uns fumam, uns bebem, se drogam... e uns se cortam. Cada um tem seu jeito de "sobreviver" e eu escolhi essa maneira. Nunca vou me orgulhar disso, pelo contrário, eu me odiarei sempre por isso. Mas é o que tenho pra hoje, sinto muito.

E o sinal toca. Próxima aula.

Lembra de Mim?Onde histórias criam vida. Descubra agora