QUATRO

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- Vai se matar? - Molly olhava repetidamente para mim e para o caco cortante na minha mão com um sorriso estampado em seu rosto pesado de maquiagem.

De repente o sangue que fervia dentro de mim pareceu ficar mais forte. Seria ódio? Sim, pela primeira vez senti ódio de alguém que não seja eu mesma. Porque o problema nunca fui eu, sempre foi eles, os idiotas são eles e não eu! Eu não preciso ser igual e nem quero.

Mas naquele momento eu só queria acabar com aquela vadia sem graça.

- E aí? - ela ri de forma nojenta. - Vai se matar? Porque se for fazer isso avisa que eu chamo todos pra acendermos uma vela e te cantar parabéns. Claro que depois a gente te queimaria mas isso não tem importância agora.

- Qual é o seu problema? - pergunto realmente interessada na resposta.

- O meu problema? Você é o problema! - ela grita. - Quer saber? Se for morrer ou se não for não faz diferença. Não vai fazer falta pra ninguém e se duvidar ainda vai causar a felicidade de todos. - diz dando um passo em minha direção me fazendo apertar o pedaço de espelho em minha mão e, consequentemente, sangrar - Sabe o Leonardo? Ah, o Leozinho... Ele não gosta de você e nunca vai gostar. Sabe por que? Porque ele é meu! - em fim ela dá um último passo ficando bem perto de mim. - Quando é que você vai perceber que é um verme?

Fico cabisbaixa e não consigo conter as lágrimas de dor e raiva que saem dos meus olhos.

Quando você vai perceber que é um verme?

O ódio voltou mais intenso que nunca e depois do sangue nos olhos só me vi prestes a fazer uma coisa absurda mas que na hora parecia certo(de alguma forma) e era só o que eu queria fazer.

- Você é o único verme aqui e ainda peço perdão aos vermes pela comparação. - digo calmamente enquanto ela gritava de dor jogada no chão e colocava as mãos no rosto tentando conter o sangue.

Sim, é isso mesmo que você está pensando. O pedaço afiado de espelho que antes cortava minhas mãos e a poucos minutos estava prestes a cortar meus pulsos foi afundado por mim no rosto perfeito de Molly Sabino. No momento eu gostei daquilo, gostei da sensação, mas assim que todos iam chegando ás pressas no banheiro e ela pousou os olhos nos meus eu percebi a gravidade do que tinha feito.

Eu não sabia o que fazer então fiquei em prantos tentando limpar todo o sangue que havia em mim e nela, mas totalmente em vão. Até que os coordenadores me tiraram de perto da mesma que estava quase desacordada. Eu gritava desculpas e mais desculpas, não era aquilo que eu queria ter feito.

Todos me olhavam com desprezo, como de costume, mas alguns estavam notavelmente assustados e eu não sabia como se sentir. A diretora estava bem na minha frente e me perguntava diversas coisas que eu não conseguia responder por conta da grande confusão que gerava em minha cabeça. Ela me balançava pedindo por respostas até que desistiu e me deixou lá enquanto foi acudir Molly junto com os outros.

Acho que a mistura de sentimentos nesse momento foi tão grande que, do nada, não sinto nada. Não sinto raiva, não sinto medo, nem tristeza... Apenas um grande, profundo e escuro vazio. Será que isso passa?

Sem ninguém notar volto pra minha casa andando ainda com sangue nas mãos e a blusa escolar manchada. Por sorte quando cheguei meu pai não estava em casa, provavelmente naquele momento estava no fundo de um bar sozinho e bêbado.

Após tomar um banho afim de tirar aquele líquido vermelho e aquele cheiro de quem acabou de furar a cara da inimiga de mim eu me jogo na cama e imediatamente adormeço ignorando meu corpo e cabelo ainda molhados.

Sonhei com uma vida perfeita. Uma vida na qual eu era bonita, tinha muitos amigos, um namorado, um pai sóbrio, uma mãe com quem eu poderia desabafar sobre sentimentos e que me ajudaria a evitar coisas como o fracasso da minha primeira menstruação... Claro que no sonho não foi um fracasso porque ela estava lá. Até que eu acordei e me deparei com a realidade que já estava acostumada.

Lembra de Mim?Onde histórias criam vida. Descubra agora