OITO

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Dois anos depois...

Após passar o restante do ensino fundamental​ naquele lugar eu estou de volta. De volta para a mesma casa, para as mesmas pessoas, praticamente tudo igual... Tudo menos eu. Mas calma, eu vou tentar resumir o que foi esses dois anos pra mim.

Não foi exatamente como eu supus que seria, de certa forma, esse pouco tempo longe de toda essa bagunça me fez bem. Claro que teve alguns Pai Nosso que estás no Céu e outros Ave Maria cheia de graça(sem contar com o Creio em Deus Pai, Salve Rainha, Santo Anjo, entre outras) que eu tive que memorizar e repetir inúmeras vezes mas não foi um problema, cada detalhe contribuiu com minha saída. "Nossa, você fala como se fosse um presídio!" como você chama isso?

Conheci umas pessoas fortes que me ensinaram e ajudaram a superar meus problemas. Dois irmãos: Eliza e Daniel, foram importantes pra mim e, infelizmente, se depender deles mesmos não sairão de lá tão cedo. Ambos dizem que cresceram naquele lugar e não vêem motivos pra sair, eu não discordei. Antes de sair os agradeci por tudo e disse-lhes que vou levar comigo o que eles me ensinaram, nossas conversas e também a lembrança de nossas "aventuras". Sim, digamos que Eliza e Daniel não são nada santos e amam pegadinhas e vingança. São maravilhosos sim.

As pessoas julgam pela capa e digamos que tenho uma "capa" bonita. Sabe, meu corpo mudou e eu não fiz nada pra contribuir com essa mudança, simplesmente foi acontecendo e eu fui percebendo que tinha algo diferente. Por algum motivo isso não faz eu me sentir melhor como eu achei me sentiria, eu apenas estou... Acho que bonita. Não me vejo assim quando olho no espelho mas todos fazem questão de me dizer isso sempre que podem. Eliza e Daniel faziam questão de me lembrar todo dia, meu pai me diz isso desde que voltei, isso fora os garotos que pegam no meu pé de certa forma que é nauseante.

Eu olho no espelho e percebo que mudei, claro, externa e internamente. Internamente com certeza. Não digo que aquela dor foi embora, não, acontece que aprendi a não deixá-la me dominar. Mas acontece que ainda sinto resquícios disso aqui dentro. Sabe o sorriso? Ele me salvou inúmera vezes e vou permitir com que continue assim.

Os pesadelos continuaram por um ano e alguns dias, hoje em dia procuro não pensar muito em Molly nem em nada que tenha a ver com ela ou aquele colégio. Se depender de mim nunca mais colocarei os pés naquele lugar, sinto náuseas só de lembrar daquela gente nojenta. E ele. Leonardo Berti. Ainda não tenho condições psicológicas saudáveis o suficiente pra voltar a comentar algo sobre ele, portanto, por enquanto vamos ignorá-lo.

Esse ano começo o ensino médio e ainda não estou matriculada em nenhuma escola. Meu pai disse que estava com uma ideia na cabeça e ainda está pensando se isso me fará bem, ele não quis me contar.

Me viro na cama de forma para que eu olhe para a gaveta do meu criado-mudo. Respiro fundo e levanto-me para abrir a mesma. Tiro de
lá uma caixinha preta pequena e inofensiva visualmente. Meus olhos brilham ao observar minhas ex-amigas - a essa altura já enferrujadas -lá dentro. Sorrio fechando a caixa e a colocando no bolso do meu casaco saindo em direção a... bom, algum lugar fora daqui.

Deve ser em torno de seis horas da tarde, com o tempo fechado fazendo parecer bem mais tarde já que choveu a tarde inteira.

Ando durante uns 20 minutos até encontrar um lugar onde havia terra e algumas flores murchas. É aqui mesmo. Me ajoelho usando minhas mãos para cavar um buraco alí no meio das flores e, em seguida, coloco cuidadosamente a caixinha lá dentro. Respiro fundo jogando a terra por cima de minhas ex-companheiras.

De certa forma elas foram importantes na minha vida - eu reconheço isso e é uma coisa que só eu mesma posso entender pois quem sentiu foi eu - mas não quero que isso me domine. Eu não preciso mais delas, tudo que eu preciso é do meu sorriso e somente.

Chego em casa me jogando no sofá ainda suja de terra.

- Lala? - meu pai chama da cozinha.

- É Laís, pai - respiro fundo cansada desse apelido.
- Que bom que você chegou. Onde estava? - abro a pouca pra falar algo mas ele continua falando - Quer saber? Não me interessa. Adivinha? - ele espera eu adivinhar algo, pena que eu quebrei minha bola de cristal - Eu já te matriculei na escola nova! Está curiosa? Animada?

- Claro, desde que não seja a que eu estou pensando - digo percebendo meu pai murchando em minha frente. - Pai? Não me diga que...

- Ham... Acontece que...

- SENHOR HENRIQUE ALBUQUERQUE VOCÊ NÃO ME MATRICULOU NO CEAR! - pulo o segurando pelos ombros.

Puta merda.

Lembra de Mim?Onde histórias criam vida. Descubra agora