TRÊS

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Me encontrava rolando na cama a mais de uma hora procurando sono. Nada. As vezes olhava pra gaveta que fica bem ao lado da minha cama e me segurava para não arrancar-la de lá e procurar a caixinha mágica com seus itens mágicos e cortantes. Não conseguia, não podia mais suportar.

Ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém se importa mesmo. De repente estou sangrando pelos pulsos.

Sem me preocupar com todo o sangue, em fim, me deito e adormeço.

*****
Desligo o alarme irritante e encaro o teto do meu quarto perguntando-me se existe algum motivo no mundo para me levantar e ir viver.

Flashback ON

- Mas, mamãe, por que eu devo ir á escola? Não acha que seria muito melhor e mais divertido se a gente ficasse aqui assistindo desenho e comendo aquele doce vermelho que parece canudinho? - pergunto á mulher que penteava meu cabelo.

- Seria, meu amor - ela ri. - Mas você não pensa em um futuro?

- Futuro? - me viro olhando fixamente pra ela.

- Sim, um futuro - ela passa as mãos em meu rosto. - O que você quer ser quando crescer?

- Veterinária.

- Nossa, ontem mesmo você queria ser bailarina!

- Pois é, mamãe, mas eu não posso ser as duas coisas?

- Você pode ser tudo o que quiser, filha. Mas pra isso você sabe o que precisa fazer - ela estende a mochila de rodinhas para que eu pegue.

Respiro fundo indo em direção a porta.

E, pensando bem, acho que quero ser Estilista.

Flashback OFF

Sorrio com a lembrança. Tal sorriso que logo some ao me deparar com a realidade.

Depois de deixar o café pronto pra quando meu Pai acordar saio as pressas para chegar antes de fecharem as portas do colégio.

Por muito pouco.

Ia puxar a manga do moletom quando percebo que o esqueci na cama. Merda, meus cortes ainda recentes em meus braços finos estão totalmente á mostra. Mas, quem se importa?

Ignoro esse fato e subo a rampa correndo para chegar antes do professor de Geografia, ele é a própria definição de grosseria e chatice.

Abro a porta rápido e todos me olham e, como já esperado, riem exageradamente.

Lembro de todo o cuspe que tive trabalho de tirar do meu cabelo e por algum motivo olho para o Léo que me encarava com a mesma expressão da noite anterior. Estou completamente farta disso, por que ele não faz algo? Não ri junto com o resto e nem me defende, não faz absolutamente nada.

- Ei! Silêncio! Se sentem todos, agora!

Todos obedecem e eu fui pra minha cadeira segurando um braço com o outro tentando não mostrar o que eles não precisam ver.

LÉO:

- Ei, cara, o que tu tem? - Felipe pergunta, me afastando dos meus pensamentos.

- Como assim, mano? Eu to normal.

- Nem vem com essa de "normal". Ontem tu não riu da Lala com a gente e não falou nada pra ela nem hoje nem ontem. Que foi? Tá com peninha da tua crush?

- Minha Crush? A vara-pau da Lala? Tá bêbado ou o que? - dou uma risada convincente.

- Então prova que não tem pena dela.

LAÍS:

Tô selecionando alguma música quando o silêncio da sala é quebrado por alguém.

- Ei, Lala - Léo chama minha atenção e a de todos pra ele fazendo meu estômago congelar. - Tomou banho direito ontem? Ah não, pera, desculpa, esqueci que se tomar corre o risco de descer pelo ralo junto com a água.

O lugar é preenchido pela risada de todos que também cumprimentavam o Léo parabenizando-o

Olho com os olhos marejados pro professor pra ver se ele não vai falar nada. Mas ele somente prende a risada e pede silêncio novamente.

Respiro fundo.

Eu já deveria saber que haveria alguma piada como essa. Mas vindo do Léo?

Deixa de ser otária. Esperava mais o quê dele, minha querida? Não importa o que tu sente por ele, ele sempre vai te pisar assim como todos os outros, sabe porquê​? Porque ele é igual aos outros e você é só você. Tá aqui pra ser motivo de zoação, já deveria ter se acostumado.

Eu juro que queria levantar a cabeça e fingir que não me importo... mas como faço pra sobreviver sendo que minha própria mente quer me matar?

Uma raiva imensa surge em mim me fazendo sentir o sangue ferver nas veias, nunca tive tamanho sentimento antes.

Saio correndo da sala em direção ao banheiro.

Meu próprio reflexo no espelho me irrita de uma forma inexplicável.

Deixa de ser otária.

Ele sempre vai te pisar assim.

Ele é igual aos outros e você é só você.

Deixa de ser otária.

Tá aqui pra ser motivo de zoação.

Otária.

Fecho meus punhos frágeis com força e os empurro contra o espelho com violência.

Ignorando os cortes feitos em minhas mãos pego um dos cacos derrubados e quando estou prestes a afundar-los em meus pulsos ela entra assustada no banheiro.

Sua expressão muda de "que merda é essa?" pra alguém que gosta do que vê.

- Vai se matar?

Lembra de Mim?Onde histórias criam vida. Descubra agora