Uma Mini Eu

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Já era tarde do dia seguinte e a chuva ainda caía de uma forma agressiva demais. Não era uma chuva qualquer, era uma chuva com determinação mesmo.
Minhas mãos coçavam, realmente, devia ter ouvido o Wybie, aquela planta era mesmo venenosa e minhas mãos estavam vermelhas, com pequenas bolinhas avermelhadas.
Em uma das duas salas que haviam na casa, minha mãe escrevia para a coluna do jornal, nenhuma novidade, pois isso já era parte do seu dia.
- Ontem eu quase cai em um poço mãe! - falo para ela, ainda coçando minhas mãos.
- Aham! - ela fala sem tirar os olhos daquele notebook da Acer prata.
- Eu podia ter morrido! - tento novamente chamar sua atenção.
- Que legal! - bom, percebi que foi uma tentativa falha.
Eu dou uma caminhadinha do corredor até a janela, observo a chuva lá fora é um ideia vem em minha mente.
-Bom, eu posso ir lá fora? - ando até à frente da mesa onde minha mãe estava, e abro meus braços toda feliz - O dia está perfeito para jardinagem! - não custava nada tentar, já que ela não dava a única coisa que eu queria naquele momento, atenção.
-Não Coraline, a chuva faz lama e você vai se sujar toda lá fora! - ela fala Ainda sem tirar o olho do notebook, talvez ela só soubesse da chuva, pelo barulho.
-Mas mãe, eu quero minhas plantinhas grandes quando meus amigos vierem me ver! - coloco minha mãos sobre a mesa e me aproximo dela - Não foi por isso que a gente veio para cá?
-É, mais o menos! - ela para de digitar e olha para mim dando uma leve e profunda respiração - Mas aí, aconteceu o acidente! - ela aponta para seu pescoço onde havia algo enrolado, algo que não me lembrava o nome, apesar de uma menina da minha antiga escola ter um igualzinho.
-A culpa não foi minha de você bater no caminhão! - me desencosto da mesa e viro revoltada, como se fosse minha culpa no dia de mudança ela acabar batendo no caminhão.
Sim, o caminhão estava parado, e ela chega toda ofegante, acaba batendo nele e dá uma leve torção em seu pescoço.
A sorte é que temos dois carros, o do acidente está no concerto.
- Eu não disse que foi! - fala ela, sem dar a mínima, voltando a digitar.
-Fala sério! - volto a coçar minha mão, serio, aquela coceira era infernal - Você e o papai ganham para escrever sobre plantas, e odeiam terra!
-Coraline! - ela finalmente para de digitar novamente - Eu não tenho tempo para descurtir com você, e você tem que desembalar suas coisas, aliás, um monte de coisas!
-Caramba mãe, mas que legal! - como já era de se esperar, ela nem sabia que meu quarto já estava com tudo arrumado, só as coisas dela e do papai estavam bagunçadas.
-Ah, um garoto deixou isso aqui pra você ali na porta! - ela fala pegando um tipo de pacote feito com jornais que estava do lado da mesa, me pergunto quem deveria ter deixado, mas lembro que o único garoto que havia ali, era o Wybie.
Abro um pedaço do pacote e já vejo uma pequena cartinha, onde estava escrito "Oi senhorita Jones, olhe só o que eu achei no baú da vovó, tá reconhecendo? Wybie."
Dou uma pequena respirada com a boca, já sabia que iria vir lorota da parte dele. Continuo a abrir o pacote e quando termino, me deparo com algo realmente assustador, algo que me deixou chocada, algo que, se parecia comigo.
-An? Uma miniatura de mim? - não era aquele tipo de boneca de pano que você fala "ok, uma miniatura que se parece com ela", até a blusinha amarela e as galochas ela tinha, tinha também meus cabelos azuis, e os olhos eram de botões da cor preta - Que estranho!
- Qual o nome dele? - finalmente ela tentando puxar assunto comigo.
- Wybie! - falo em um tom de cansaço, afinal, ele havia me irritado ontem - Eu já tô velha demais para brincar de boneca! - jogo os jornais em cima da mesa e saio andando.
Eu subo a escada e vou no mini escritório do papai.
Abro a porta e vejo uma enorme quantia de caixas, eram muitas caixas, me pergunto como eles conseguiam se achar lá dentro.
Meu pai já estava no computador, o dele era aquele antigo, da tela de caixote e branco, ele digitava sem parar.
- Oi pai! - um silêncio toma conta do local e ele nem sente minha presença - Como é que está o trabalho? - tento novamente.
Era incrível como eu tinha o dom de não ser notada naquele lugar ao qual me atrevia a chamar de lar, ao menos minha mãe respondia, mas meu pai, estava difícil.
- Pai! - falo em um tom mais alto para ver se assim ele me olhava.
- Oi Coraline! - ele para de digitar e se vira lentamente, olhando para minhas mãos, onde a mini eu estava - E Coraline... zinha?
-Onde estão as ferramentas de jardinagem? - antes mesmo de falar, ele já volta a digitar em seu computador.
- Está, chovendo muito não está? - ele fala cheio de pausas, parecia estar com sono.
- É só uma chuvinha!
- O que a chefe disse? - é, realmente ele estava com sono, seus olhos vermelhos e suas olheiras eram evidentes.
- Nem pense em por seus pés na terra Coraline Jones! - deveria fazer teatro, nunca fui tão dramática ao falar algo, quanto essa frase, até a minha miniatura eu sacudi.
- Hum, então não vai precisar das ferramentas!
- Ahhhhh! - dou uma bufada e baixo a guarda, vi que ali não iria conseguir muita coisa, até ter uma nova ideia.
Me penduro na porta e começo a abrir e fecha-la. Um barulho irritante começa a ser feito, irritante até para mim, mas, para chamar a atenção, valia tudo naquele momento.
Vejo que ele começa a tremer e para de digitar, ele levanta seu óculos que já estava na ponta do nariz e passa as mãos sobre seu cabelo encaracolado.
- Ah, sabe, essa casa aqui tem cento e cinquenta anos! - ele fala virando para mim.
- E dai? - pergunto parando de sacudir a porta.
- E dai, faz uma exploração nela, assim que a chuva parar, conte quantas portas e janelas tem, liste tudo o que for azul! - ele vira para trás, pega uma caneta azul onde a tampa estava toda mordida e uma cadernetinha azul depois de um suspiro - Só, me deixe trabalhar!
Abro minha jaquetinha amarela, dou uma respirada e vou para essa tal exploração, quem sabe saio finalmente do tédio.

Coraline e o Mundo SecretoOnde histórias criam vida. Descubra agora