Capítulo 04

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Bruno

Eles estão... comendo o drone?

Bruno olhava perplexo para o monitor à sua frente que exibia os danos sofridos pelo dispositivo. Como a câmera do drone não focou perfeitamente no quê o atingiu devido ao ângulo da imagem, Bruno apenas pôde enxergar as presas da criatura.

A tenente Jacqueline, porém, estava às gargalhadas.

– Que mancada, Olsen! – de tanto rir, ela já estava com lágrimas nos olhos – Nem dez minutos e já destrruiu nosso drrone!

Bruno, no entanto, não parecia escutá-la. Ao invés, levantou-se da cadeira, pôs o capacete e correu para a porta de saída da sala de controle. Jacqueline, para impedir tal ação impulsiva, colocou seu pé melindrosamente no caminho, fazendo o colega tropeçar e desabar no chão.

– Mas que droga! – esbravejou Bruno de joelhos no chão – Por que você fez isso?

– Você é idiota? – a expressão dela se fechou – Não conhece nada do planeta e quer sair pra pegar um drrone que está sendo devorrado sabe-se lá pelo quê?

Tem razão, Bruno assentiu para si.

A fauna de Kepler ainda não tinha sido toda mapeada, então os riscos eram altos de um astronauta ir até o local sozinho. Porém, o drone poderia conter algum vestígio dessas criaturas, como saliva, arcada dentária ou pelos.

Jacqueline fitou Bruno e praticamente leu seus pensamentos. Ela colocou as mãos sobre os ombros do colega e lhe disse:

– Nem a pau você vai...

Achava que ela daria uma resposta diferente, lamentou​ Bruno, por dentro.

– ... sem suporrte.

Os olhos de Bruno quase lacrimejaram de felicidade naquele instante. Com sinais de positivo nas duas mãos, Bruno voltou a se levantar, mas Jacqueline segurou seu braço antes que saísse correndo novamente.

– Escuta, cadete – a tenente o intimou – Ainda não fale nada parra a capitã Petrrescu. Isso que você vai fazer é muito perrigoso.

– Tudo bem. Terei cuidado.

Dessa vez sem correr estabanadamente, Bruno saiu para pegar um veículo hover fora do abrigo.

Kukara

A curiosidade fez com que uns dez caçadores​ se reunissem com Kukara e Kajoru por entre as árvores para ver o tal animal desconhecido.

– Ei! Me dê um pedaço! – um caçador que Kukara não conhecia pediu uma parte da caça a Kajoru para experimentar.

– Tem certeza, Sobaru? – Kajoru indagou – O gosto é horrível.

A cara de asco de Kajoru fez com que Sobaru desistisse frente ao aviso. Outros passavam as garras na cabeça da criatura, tentando compreender o porquê de o animal ter apenas um olho. Um deles enfiou um dedo na íris do bicho que, depois de várias tentativas, arrebentou. O resultado assombrou a todos.

– O olho dele é duro e crocante! – o caçador exclamou.

– Será que é um yagaki? – preocupado, Sobaru perguntou.

– Claro que não – Kukara foi direta.

As criaturas míticas do Vale Sem Luz eram inventadas pelas mães para assustar os filhotes e fazer com que nunca fossem para aquele lugar. E mesmo se existissem de verdade, a descrição de um yagaki não se encaixava com aquele inseto duro: segundo as histórias, um yagaki era cinzento e rastejante, enquanto o bicho capturado era branco com algumas partes em marrom e voava.

– Ah, é, sabichona? – Kajoru tomou as dores de Sobaru – E como é que você sabe disso?

Sei bem porque já fui até lá, ela adoraria esfregar na cara dele.

Porém, Kukara não poderia. Era terminantemente proibido pela Principal Dominante que qualquer um deles se aproximasse do Vale Sem Luz. Sozinha, ela chegou até o Vale, que de terrível tinha apenas o frio e a escuridão. Mesmo a nevasca mais rigorosa não era tão gélida quanto aquele lugar. Não havia vegetação, nem animais, nem nada. Apenas um vazio branco.

– E isso importa agora? – foi a resposta que Kukara optou por dar.

Um instante de silêncio imperou, com todos a pensar no que deveriam fazer.

– Acho melhor levarmos para o Tanoru – Kajoru sugeriu.

Kukara não gostou da ideia, pois geraria muito mais assunto chato em sua gruta. No entanto, seria voto vencido, pois quase todos apoiaram a ideia de seu meio-irmão.

– Beleza, então está decid...

Kajoru foi interrompido por um barulho de sopro intenso. Todos ficaram automaticamente calados e tensos. O barulho só aumentava a cada segundo que se passava.

– Vou dar uma olhada – tomando a iniciativa, Kajoru voou por sobre as árvores para tentar avistar o que fazia aquele som incômodo.

Kukara o seguiu instintivamente, mas seu meio-irmão despencou em cima dela poucos instantes depois e ambos caíram, se chocando nos galhos até atingirem o chão.

– Que porcaria foi essa, Kajoru? – Kukara, com a asa direita machucada, fuzilou seu meio-irmão com o olhar.

– Vocês... estão bem? – assustado, Sobaru se aproximou dos dois acompanhado do resto dos caçadores.

Todavia, Kajoru estava emudecido, em estado de choque. Os demais tentaram trazê-lo de volta a si, sem sucesso, até que o barulho de sopro se aproximou. Todos olharam na direção de onde vinha aquele som até que uma criatura desconhecida surgiu por entre as árvores. As penas de todos se eriçaram automaticamente.

O que é isso?

Kukara também entrou em choque ao ver uma larga e enorme rocha flutuante transpondo a vegetação. Tão grande que sobre aquela enorme pedra poderiam ficar ela, seus pais e Woloru sem problemas. Todavia, só havia uma criatura sobre aquela pedra voadora.

– É um verme! Fujam! – em pânico, Sobaru esganiçou e saiu voando para longe.

Ele não foi sozinho. Igualmente em pânico, os demais o acompanharam, inclusive Kajoru, já recuperado.

Kukara tentou, igualmente, mas a asa ferida não lhe permitiu. Nenhum caçador, porém, percebeu e tentou ajudá-la.

Bando de covardes!

Kukara teria de se virar sozinha. Tentando escapar do verme branco, ela tentou se movimentar da forma mais incomum, e talvez humilhante, para sua raça: engatinhando, como apenas suas presas faziam.

Agora, eu é que sou a presa dele.

Apenas poucos passos de um bogaki os separavam. No meio desse espaço, Kukara enxergou uma trilha aquosa azul.

Sangue. Meu sangue.

O Verme Branco a alcançou. Se contorcendo, ele tocou com seus tentáculos em sua asa. Talvez pelo medo, choque ou seja lá o que fosse, Kukara não enxergou mais nada e perdeu os sentidos.

Kepler - três sóis, dois povos (amostra)Onde histórias criam vida. Descubra agora