Vou separar este capítulo pra te explicar como eu fiz a primeira amizade da minha vida. Vale ressaltar que o nome da moça me traz uma lembrança tão forte da minha infância que eu preferi não alterar o nome dela ao escrever essa história.
Rafaela não gostava ou parecia não gostar de fazer amizade com os meninos, mas também não me recordo de vê-la conversando com nenhuma garota da escola. Rafaela gostava de alardear seus cabelos lisos que mais pareciam cabelos de índia. Com um gosto peculiar, Rafaela sempre sentava no fundão da sala e eu só tinha contato com ela em dois momentos que vou explicar mais a frente.
Rafaela não gostava da forma como eu olhava pra Kelly, mas entendia o olhar de um menino apaixonado. Nas raras vezes em que falava, Rafaela gostava de falar sem parar como quem inventava notícia. Rafaela não gostava de esperar e isso dava pra se notar no bater de pernas debaixo da cadeira. Rafaela gostava de matemática e eu não sei como fiz amizade com alguém assim. Rafaela não gostava de ser desafiada, mas confirmava que era melhor sempre que isso acontecia. Rafaela gostava de correr e eu adorava correr com Rafaela.
Ela morava numa casa que ficava apenas uma rua de distância da escola, onde na garagem havia uma mini loja que seu pai administrava e vendia de tudo um pouco. Rafaela era morena, cabelo curto e liso, cara fechada e olhar que escondia a tenuidade do coração que eu fui capaz de enxergar. Além da troca de biscoito que nós fazíamos na hora do lanche, Rafaela e eu tivemos poucos momentos de amizade até que certo dia, um pouco antes do toque de término das aulas, nós saímos juntos da sala, passamos pelo corredor em direção a saída e comparamos nossos passos como dois carros de F1 na parte mais retilínea da pista. Nesse curto e aprazível instante nós tagarelamos através dos olhares. Os olhos dela eram bem mais bonitos do que os meus, claro; então eu não consegui prestar muita atenção no que ela tentava me dizer com as pálpebras. O contrário dela, que entendeu perfeitamente que eu gostava daquele contato visual. Pelo gesto que ela fazia com a boca, notei o ar desafiador que tomava conta do momento, então nós começamos a acelerar os passos e aquilo se transformou numa corrida.
Quem fosse o dono da passada mais rápida até chegar em casa, era o grande vencedor. É claro que eu nunca fui capaz de vencer, já que Rafaela morava do outro lado da rua e eu a algumas quadras de distância, mas durante todos os outros dias, eu nunca deixei de apostar uma corrida com ela. A corrida era nosso momento mais aguardado; eu chegava na aula ansioso pra estar perto da Kelly e torcia pelo final dela pra perder uma nova disputa pra Rafaela.
Assim começou a nossa amizade que não foi muito além disso. Não me lembro de nenhuma conversa que eu tive com Rafaela no período da escola, mas jamais me esquecerei daquele olhar intrigado quando eu ameaçava ser mais rápido na corrida.
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O primeiro amor de um artista
Документальная прозаUm fotógrafo explica como as lembranças de um amor de infância e os acontecimentos relacionados a isso puderam influenciar na sua vida, ensinando-lhe a fazer arte. Este livro é baseado numa história real da infância do autor, e relata cenas de bully...