Como de costume, eu estudava na pior sala da escola, que era também a mais odiada pelos professores que por muitas vezes se negaram a entrar na sala de aula na intenção de evitar o contato físico com meus amigos e eu. No primeiro dia de aula houve uma reunião onde cada aluno se apresentava e formavam alguns grupos. Eu fiquei numa equipe com mais duas meninas e um garoto chamado Menezes.
Menezes também estava atrasado nos estudos e repetia o primeiro ano do Ensino Médio, mas isso era uma grande vantagem, já que ele conhecia a maioria do alunos mais antigos. Ele tinha um gosto peculiar; gostava de arrotar alto em público, de customizar as fardas que recebíamos do governo e de beijar o máximo de garotas possíveis. Menezes não gostava quando o ignoravam e nem gostava quando o professor de português ordenava que os celulares fossem desligados durante a aula.
Apesar de ser um dos alunos mais inquietos e desordeiros da escola, Menezes foi a pessoa mais engenhosa que eu já conheci. Eu também poderia citar que ele era a pessoa mais criativa, claro, já que criatividade é o cúmulo da inteligência, mas prefiro não facultar toda essa moral pra ele. Apesar de toda a diferença entre nós, não demorou muito pra nos tornarmos melhores amigos; tipo B1 e B2, sabe?
Com Menezes eu aprendi bastante coisa, como: pintar, gravar e editar vídeos, fotografar, falar em público nos seminários, fazer charme, conversar de forma íntima com as meninas, furar fila, tirar as piores notas, usar a maquiagem das garotas da sala, alterar o papel de parede do computador e até mesmo criar um site em HTML, mas Menezes nunca me ensinou a como fazer isso sem ser notado; ele adorava estar no centro das atenções.
Em nossa escola existia um projeto de cinema onde a professora de história que se chamava Edna ficava responsável pela produção dos filmes, que ia da seleção dos alunos até a inscrição no festival que acontecia uma vez por ano.
Edna era uma mulher com um traseiro avantajado; o que chamava a cruel atenção dos alunos. Ela não gostava de pessoas exibidas nem de chamar um mesmo nome duas vezes seguidas na ata de presença escolar. Edna também não gostava de abrir a porta da sala com a mão esquerda; então, sempre que se aproximava da sala ela colocava os livros no braço esquerdo, girava o corpo e tocava a maçaneta com a mão direita; abrido a porta. Edna gostava quando elogiavam seu corpo, mas fingia não gostar e soltava um sorriso discreto quando dava as costas pro resto da sala e começava a escrever no quadro negro. Edna também gostava de ventiladores parados em sua direção e das reuniões dos professores, que sempre demoravam mais que o previsto graças às suas reclamações sobre os alunos da nossa sala.
No primeiro ano do projeto cinematográfico Edna escolheu os alunos com as melhores notas e alguns outros com quem ela simpatizava. Logo, como nem eu nem o Menezes não nos encaixávamos em nenhuma das opções de prioridade, ficamos de fora; mas não por falta de tentativas. Foram muitas as vezes que tentamos explicar pra Edna que fazer um filme era tudo o que queríamos pra entender melhor o mundo do cinema, do qual nós adorávamos, mas foi totalmente sem sucesso. Edna olhou bem nos nossos olhos e afirmou que com aquele comportamento jamais seríamos capazes de fazer parte de um projeto sério como aquele.
Você pode viver todo o período de tempo de vida estimado que é de de 80 ou 90 anos de idade, amigo leitor, mas talvez nunca vai sentir a emoção que eu senti no dia 10 de Setembro daquele mesmo ano. Era dia do meu aniversário e toda a escola foi convidada a comparecer no cinema mais bonito do estado, onde aconteceria o festival de premiação dos melhores filmes produzidos no projeto. O meu contato com aquela detalhada e gigante sala de cinema já havia me deixado atraído pela sétima arte; até que aconteceu.
A professora Edna foi chamada até o palco do festival e convidada a falar um pouco sobre o filme que foi produzido em nossa escola. Ela discursou por mais de 5 minutos sobre todo processo de seleção dos alunos até a edição e publicação do material, encerrando sua ilustre participação com uma bonita homenagem:
- Hoje nós temos um aluno aqui na platéia que está aniversariando! - Disse Edna, voltando os olhos pra mim como quem pedia perdão pelo motivo mais imperdoável. - Alcimar, levante o braço para que todo mundo te veja! - Completou.
Então eu levantei o braço direito, que naquele instante parecia pesar alguns quilos a mais do que o normal. Depois daquele movimento de braço a lei da curiosidade fez com que todas as cabeças presentes no cinema se voltassem para mim, que estava sentado próximo da saída, nas cadeiras mais altas. Então todos começaram a bater palmas e cantar parabéns num ritmo tão intenso que eu não soube o que fazer a não ser cantar junto e aproveitar o meu momento.
Já parou pra se perguntar se em toda a sua vida você irá ao cinema no dia do seu aniversário e será recebido dessa forma? Foi exatamente essa pergunta que eu pensei em fazer quando me chamaram para enunciar algumas palavras em cima do palco, mas eu só consegui agradecer e soltar algumas piadas no microfone, fazendo todos sorrirem; Menezes me ensinou exatamente como não passar despercebido em público.
Então esses foram os meus primeiros contatos com a arte e com o ensinamento de que ela pode ser produzida a partir das pequenas e diferentes coisas. Agora, amigo leitor, vou em busca do meu primeiro amor.
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O primeiro amor de um artista
NonfiksiUm fotógrafo explica como as lembranças de um amor de infância e os acontecimentos relacionados a isso puderam influenciar na sua vida, ensinando-lhe a fazer arte. Este livro é baseado numa história real da infância do autor, e relata cenas de bully...