Relato 10 - Pontual como o carro branco

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Não vou patranhar pra agradar as pessoas que não gostam de meninos bagunceiros que faltam aula, então começo este capítulo com um fato verídico sobre minha escolaridade. No ano de 2010 eu ainda estava no primeiro ano do Ensino Médio; atrasado, claro, após repetir duas vezes a 6ª série do Ensino Fundamental. Se você perguntar sobre meu arrependimento, provavelmente direi que ele não existe, pois foi exatamente desse impasse que eu precisei para que esta história de fato tivesse um final. Sendo assim, seja bem vindo ao Ensino Médio, amigo leitor que até aqui aturou meu enrolado.

Neste capítulo, duas coisas importantes me vêm à cabeça. Uma delas é a dimensão do poder do Ensino Médio na vida de um jovem. É claro que apesar dos altos e baixos relacionados a uma fase de mudanças, é nesse período onde nós começamos a entender pra onde iremos depois da maior idade e o que as merendeiras fazem após o recreio, mas, sinceramente, de fato nós nunca entendemos, acredite. A segunda coisa é sobre um carro branco da marca Volkswagen que transportava coxinhas. Antes de entender a ligação entre essas duas coisas, vou começar te explicando sobre o local onde eu aguardava pelo ônibus escolar.

Nessa altura da história, após fugir tantas vezes da casa do meu pai, eu praticamente já não morava mais com meu ele, que nunca me deixou faltar nada, apesar de minha avó fazer o mesmo por mim. Sendo assim, posso dizer que fui criado pelos dois, literalmente recebendo em dobro todas as coisas que recebi. Algumas boas e outras nem tanto, mas profundamente necessárias. Meu pai, apesar de não gostar da ideia de me ver estudando em outra cidade, concordou em pagar a mensalidade do ônibus que me levava todo os dias até a escola. É claro que em alguns meses ele atrasou o pagamento, mas isso não me impedia de pegar dinheiro com minha avó e pagar a passagem de transporte público até a cidade vizinha.

As aulas finalmente começaram e eu saí de casa numa manhã da qual não lembro a data exata, mas que me parecia importante. No exato momento em que morrendo de sono, eu cruzava a rua cheia de mosquitos em direção à parada, minha gata "Marrie Clarie" se esticava no quintal da vizinha na tentativa de roubar mais um pedaço de carne, mas sem sucesso. Eu aguardava o ônibus ao lado de um armazém que ficava ao lado de um posto de gasolina que ficava ao lado de um clube de festas que ficava em frente ao muro da casa da minha avó; quase ao lado da nossa vizinha. Eu era pontual, assim como o motorista do carro Volkswagen branco; um homem de bigode que parava todos os dias em frente ao armazém onde ficavam alguns rapazes discutindo alguns assuntos aleatórios; provavelmente sobre política ou futebol, mas também haviam chances de estarem comentando sobre as coxinhas.

O motorista fazia o mesmo procedimentos todo os dias: Descia do carro, acenava com a mão direita para os rapazes, se dirigia até o porta-malas do veículo e tirava uma caixa. Em seguida ele apoiava a caixa na perna esquerda enquanto a direita permanecia firme no chão e fechava o porta-malas com muito cuidado. Na caixa haviam coxinhas de frango das quais ele produzia e revendia aos rapazes que ali o esperavam. Eu não sei exatamente se eram de frango, mas geralmente as coxinhas são de frango, certo?!

Após alguns minutos de conversa, ele esticava o bigode, apertava a mão dos rapazes, acenava com um sinal de despedida mais conhecido como "tchau", entrava no carro branco e zarpava. Ele fez isso durante todos ou quase todos os dias em que eu estive naquela parada aguardando pelo ônibus que chegava logo em seguida. Daí começava uma longa aventura no caminho até a escola.

Assim que eu colocava o primeiro pé no ônibus, meus olhos davam uma volta de não menos que 180º em cada detalhe interno do coletivo. Tudo isso porque eu estava a procura de uma linda moça da qual eu pudesse me sentar ao lado. As primeiras garotas que eu tive contato sentavam no fundão do ônibus, o que me sujeitava a fazer o mesmo e me aventurar no balanço do coletivo que nem sempre seguia seu caminho normal, pois o motorista tinha os documentos atrasados e sempre ou quase sempre tinha que pegar um atalho e fugir dos guardas na estrada. Esse caminho era o pior possível, onde em algumas vezes chegamos a ficar presos numa rua cheia de lama. O lado bom disso tudo é que dessa forma eu tinha mais tempo ao lado das garotas que também gostavam de estar comigo, pois sempre fui carinhoso com os pescoços e com as mãos delas.

Uma das garotas de quem eu fazia questão de sentar ao lado era Ana Lúcia, morena de cabelo cacheado que gostava de observar os meninos mais altos da escola, de ficar próxima da janela e de olhar pra mim quando eu olhava pra outra garota. Ana Lúcia não gostava quando o motorista pisava bruscamente no freio ou olhava pelo retrovisor interno do ônibus; parecia intimidador, sabe? Ana Lúcia e eu não tivemos nada além dessa amizade que durava até a chegada na escola. Após o avançar dos portões, cada um seguia pra um lado diferente do corredor.

Bem, agora é hora de juntar o meu grupinho e falar sobre a os meus primeiros contatos com a arte.

O primeiro amor de um artistaOnde histórias criam vida. Descubra agora