Acontecimentos incomuns

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Hoje era um dia um tanto atípico na minha rotina comum. Não que ele tenha começado muito diferente do usual, mas com o passar das horas as coisas foram saindo do controle. Corri como em todas as manhãs, tomei café com minhas mães e depois Alex saiu correndo por estar atrasada para uma reunião. Erika me deu um beijo na testa e subiu para treinar porque ela tem uma luta programada para daqui a um mês. Eu saí pela porta da garagem, parei dois segundos para admirar meu Dodge e então entrei no meu carro seguindo para a aula. Assim que virei a esquina James me mandou uma mensagem pedindo carona e eu dei a volta no quarteirão indo para a casa dele.

Ele entrou no meu carro comendo uma maçã e com a mochila aberta me fazendo rir porque entendi que ele só pediu carona porque estava atrasado e não teria tempo de comer se fosse dirigindo. Como sempre parei num canto mais afastado do estacionamento e descemos com James contando alegremente que teria uma reunião do time após as aulas. Os testes tinham se encerrado na sexta, então a lista de titulares sairia hoje e que era possível que ele fosse ser colocado como titular de novo. Até ai o dia estava muito tranquilo e normal, mas foi quando um som diferente tirou minha atenção do caminho e me disse, mesmo sem que eu entendesse na hora, que o dia seria fora do normal.

Era a segunda semana de aulas e, durante a semana anterior, eu descobri que tinha metade das minhas aulas com a garota nova incluindo as de química, biologia e literatura avançada que seriam hoje. Na semana anterior ela chegou atrasada todos os dias, então me surpreendi muito quando nessa manhã ouvi o som de uma moto que nunca tinha ouvido antes. Quando olhei para trás vi a moto entrando naquele lado mais deserto do estacionamento, uma Harley Davidson, parecia ser uma FatBoy das mais novas. Quem pilotava usava um capacete todo preto, uma jaqueta de couro, um jeans azul e coturnos pretos. A moto parou a quatro vagas de distância do meu Dodge e quando a pessoa tirou o capacete pude ver que era ela.

Nossos olhos se encontraram por um segundo antes dela apoiar o capacete no guidão da moto para sair de cima dela, foi quando eu notei a pequena mochila preta nas suas costas. Depois desviei meu olhar e segui com James para dentro. Parei no meu armário e ele seguiu para o dele encontrando alguns amigos do time no caminho. Peguei meu material e segui para a aula de química. Eu era o único que não tinha um parceiro nessa matéria porque o número de alunos era ímpar, então fiquei sozinho na minha bancada até que todos, incluindo o professor, chegassem. A garota, que agora eu sabia se chamar Jill Laars passou ao meu lado indo para os fundos da sala onde sua parceira de laboratório já estava sentada.

A aula já ia pela metade e eu já havia finalizado meu trabalho quando o professor me pediu para auxiliar uma dupla com dificuldade. Eu sequer perguntei quem era antes de concordar, foi quando ele apontou para a bancada onde a garota nova estava. Sua parceira era Denna Martin, eu me recordava dela do ano anterior e sabia que Denna não era uma das alunas mais aplicadas. Cheguei na bancada das duas e encarei outra vez os olhos verdes. Era estranho encará-la porque aqueles olhos pareciam vasculhar minha alma com o peso que ela tinha no olhar, mas não me deixei intimidar e oferecia a ajuda. Ela sequer falou comigo uma vez, apenas Denna tentava puxar assunto, acho que cogitava que isso me agradaria por eu a estar ajudando. Na mente dela eu provavelmente estaria incrivelmente feliz por ter uma das garotas dos grupinhos populares falando comigo, mas eu fui o mais direto possível explicando o trabalho e elas o terminaram quase antes do sinal tocar.

A última aula antes do almoço era biologia e eu, como sempre, fui o primeiro a chegar na sala. Essa era uma das matérias que eu menos gostava, mas ainda tinha ótimas notas nela. Meu colega de bancada era um dos jogadores, eu realmente não me importei em guardar o nome da metade dos jogadores e o dele estava nesse meio. Essa aula foi no mínimo irritante porque o idiota que dividia a bancada comigo ou estava desinteressado demais para aprender a matéria ou estava confuso demais para entende-la. Para piorar minha irritação quando o professor passou uma lista de exercícios ele rapidamente se virou pra mim começando a olhar o que eu fazia. Ele até tentou ver as minhas respostas, mas eu fiz questão de fazer as questões mais rápido do que o normal e fechei meu caderno quando as terminei. Recebi um olhar bravo e indignado do imbecil ao meu lado, mas nem liguei.

O professor se aproximou de nós e pegou meu caderno para corrigir as respostas; novamente eu consegui fechá-lo antes do jogadorzinho ver qualquer coisa. Então o professor continuou andando entre as mesas e, para minha surpresa, vi ele corrigindo outro caderno: o da garota nova. Quando entregou de volta o caderno a ela o Sr. Flint sorriu surpreso, mas a garota apenas deu de ombros, pegou o caderno e começou a guardar seus materiais.

- Você é a primeira pessoa que vejo acertar mais questões do que Arthur – ouvi o Sr. Flint dizer a ela e franzi o cenho confuso.

Peguei meu caderno de volta e conferi minhas respostas, havia apenas uma delas errada das 20 questões. Então isso significava que ela acertou todas e num tempo tão curto quanto o meu. O jogadorzinho do meu lado deu um sorriso sarcástico como se isso fosse me diminuir quando ouviu que alguém havia acertado mais que eu. Sequer prestei atenção nele e voltei a guardar meu caderno, não alterei minha expressão, mas eu queria muito sorrir porque não era ruim haver alguém melhor que eu. Por algum motivo eu cheguei a achar reconfortante que fosse ela.

Quando chegou a última aula eu, surpreendentemente, não fui o primeiro a entrar. Jill já estava no fundo da sala com fones de ouvido e de olhos fechados, fui para uma das mesas da frente e sentei sem me importar com a presença dela. Logo depois os outros chegaram junto com o professor. A aula começou e tudo parecia completamente comum, até que próximo ao fim o professor anuncia um trabalho em dupla e as duplas começam a se formar. Eu, como sempre, estava me organizando para fazer tudo sozinho quando a voz do professor voltou a soar após a sala começar a silenciar novamente.

- Vocês dois continuam sem par? – perguntou o Sr. Tomson.

Olhei para trás e vi Jill escorada no encosto da cadeira com uma expressão de tédio e sem ninguém com ela. Metade da sala estava em pé ao lado das cadeiras de suas duplas enquanto eu e ela permanecíamos sentados sem ninguém por perto. Ela me encarou e por um curto momento eu pensei em dizer ao Sr. Tomson que preferia fazer meu trabalho sozinho, mas não cheguei a ter essa oportunidade.

- Sr. Anderson fará dupla com a Srta. Laars – falou o professor e eu o encarei franzindo o cenho sem acreditar que ele estava impondo isso a nós dois – Certo, não temos mais tempo de aula – ele continuou sem prestar atenção na minha expressão indignada e o sinal tocou anunciando o fim das aulas.

O professor foi guardar suas coisas e os alunos praticamente pularam de suas mesas para a porta enquanto eu absorvia que, pela primeira vez em anos, seria obrigado a fazer um trabalho com alguém que não fosse James. Sinto dores de cabeça só em pensar no desastre que isso será e, quando dou por mim, ela está parada em frente à minha mesa com uma expressão zangada. Uma mão segurava a mochila preta sobre o ombro direito e com a outra ela jogou um papel sobre a minha mesa.

- Vou fazer minhas pesquisas e você faz as suas – ela disse e eu a encarei nos olhos, sua voz era mais grave que a de Alex; ela tinha um timbre bonito – Anota teu número ai que eu te ligo pra marcarmos quando juntar tudo e fazer essa merda.

Ergui uma sobrancelha, mas logo dei de ombros, se ela quer realmente fazer o trabalho não vou implicar. Cada um faz sua parte e não incomodamos um ao outro. Peguei minha caneta que estava fora do estojo, escrevi meu número, guardei ela no bolso frontal da camisa e joguei o estojo dentro da mochila. Ela pegou o papel e saiu colocando-o dentro do bolso.

E foi assim que eu me tornei a dupla de JillLaars no trabalho de Literatura.

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