MARIE
Minhas pernas trêmulas já não me obedeciam, enquanto me esforçava para permanecer de pé, Anne tremia entre as cobertas e me fitava com o par de olhos cor de amêndoa, assustados. A maldição não poderia estar se repetindo, não com a minha neta.
Uma força maligna que há muito tempo não sentia agora pairava no ar, rondando seu corpo encolhido e frágil. Os pelos do meu corpo se enrijeceram, minha cabeça dava voltas e meu estômago embrulhava ao pensar no que estava por vir. Minha neta estava em pânico, mesmo não sabendo nem um terço sobre o mal que agora a rondava. Não era justo com ela! Pobre criança.
ANNE
Com a cabeça entre os joelhos eu rezava baixinho, pois imaginava que vovó fazia o mesmo. Ela andava de um lado para o outro sem tirar os olhos de mim, murmurando alguma coisa inaudível. Seu olhar era intenso e ao mesmo tempo muito vago e isso me causava um incômodo assustador.
Quanto mais eu forçava meus pensamentos a entender por que vovó lastimava aos céus, mais perguntas se formavam em minha mente.
Eram tantas perguntas em tão pouco tempo que eu me sentia perdida. Eu me sentia suja em toda a extensão da palavra, eu seria penalizada pela desgraça que me acontecera? Minha avó estava assim porque eu pagaria por isso?
Eu me encolhi ainda mais na cadeira velha de madeira, ainda enrolada na manta que usei para dormir, sentindo calafrios por todo o corpo.
Vovó me deu as costas, e eu quis com toda a força que ainda me restava, poder ouvir seus pensamentos visivelmente perturbados.
MARIE
Apertei os olhos me negando a refazer a cena que ainda estava fresca em minha memória.
Foi muito difícil me libertar daquele monstro, uma dor agonizante rasgava meu peito sempre que me recordava dele. Quando o vi pela primeira vez, eu me apaixonei perdidamente, eu sabia que precisava estar ao seu lado, que precisava da sua presença, era como uma maldição que na época eu não entendia.
James era um homem fascinante, bonito e extremamente gentil, poderia ter qualquer moça para si, mas eu fui sua escolhida, e essa foi a minha desgraça.
Nós nos casamos e vivemos momentos de extrema felicidade, ele sempre se mostrou cuidadoso comigo. Carinhoso e apaixonado, era essa a imagem que teci por longos meses de meu marido.
Fiquei grávida logo depois, James estava eufórico com a chegada do nosso bebê, mal se continha em sua felicidade. Pouco tempo depois do nascimento de Lisa, eu descobri a verdade e ela acabou comigo.
Eu amava meu marido, mas vê-lo se transformando em uma fera horrenda dilacerou o meu coração. A partir daí eu não conseguia me imaginar ao lado de um mostro, temi por minha vida, e pela vida da minha filha.
Depois de descobrir a verdade sobre quem era, James me assegurou de que tudo ficaria bem, eu era sua Peeira e ele não poderia me ferir. Eu estava condenada a permanecer com ele pelo resto da minha vida, essa era a minha maldição.
Em uma noite de lua cheia, meu marido foi morto e o feitiço que me prendia a ele foi anulado. Sofri muito, mas como a ideia de conviver com um lobisomem me deixava apavorada, acabei enxergando aquilo como uma libertação.
A partir dali, achei que as coisas ficariam bem, a maldição havia sido quebrada e finalmente estava livre. Lisa cresceu, e senti um alívio inexplicável ao vê-la casada e feliz com um rapaz bom e completamente normal. Meu coração teve paz, enfim.
Eu sabia que existiam outros, e que a morte de James não seria o fim dos ataques, grande foi a minha surpresa e decepção ao ouvir Anne contar o que lhe tinha acontecido.
Um deles a salvou, estavam ligados, a maldição havia recomeçado.— Querida, por que não se deita no antigo quarto de sua mãe? Está tarde, escuro e frio. — Afaguei seu ombro.
— Não está entendendo, vó — disse com a voz trêmula. — Não ouviu o que eu disse sobre Joseph?
Desviei o olhar.
Joseph nunca foi exatamente o genro que pedi a Deus, apesar de sempre trabalhar duro para sustentar a esposa e a enteada, algo nele não me inspirava confiança.
Quando ele se casou com Lisa, cerca de um ano após ficar viúva, ele se tornou um bom pai, foi bom para a minha filha e isso me pareceu suficiente. Agora, o homem que permitimos entrar nas nossas vidas, tinha sido a causa de algo terrível.
Eu precisava pensar rápido, minha neta estava sofrendo e de um jeito ou de outro logo todos saberiam a verdade. Cabia a mim protegê-la.
Anne fitava algo através da janela, seus olhos pareciam vagos e perdidos em algum ponto específico de todo aquele breu. Eu sabia exatamente quem estava por perto.
— Vovó, talvez eu devesse ir ali. — Minha neta apontava para as árvores. — Alguma coisa está me chamando. — Ela deu alguns passos vacilantes até a porta e colocou um dos pés para fora. Eu a puxei para trás, trancando a porta em seguida. O barulho foi alto e estridente, e mesmo sem poder vê-lo, ela ainda continuava em transe.
— Não! — respondi severa. — Você não sairá desta casa essa noite, não sairá de perto de mim.
Anne apertou os olhos e abraçou o corpo como uma criança indefesa, eu precisava mantê-la por perto, a salvo.
Eu a levei para o quarto e a deitei sobre a cama que era da sua mãe, enquanto Anne acomodava-se no novo aposento, pude perceber o quão machucada minha neta havia ficado. Apressei-me em lhe preparar um chá com ervas especiais, rezando para que a ajudasse a dormir e que o mantivesse longe de seus sonhos.
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Chapeuzinho Vermelho - [DEGUSTAÇÃO]
WerewolfRETIRADO DIA 11.04.20 - COMPLETO NA AMAZON Um conto da saga Verdades Macabras Durante o ano de 1745, uma terrível besta aterrorizou a região de Delpic, na Inglaterra. Relatos afirmavam que se tratava de uma criatura de aproximada dois metros de altu...