A calmaria antes da tormenta

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Não havia como descrever o temor que eu sentia. Se tudo aquilo era verdade, o tempo de minha irmã estava acabando, eu precisava urgentemente salvá-la. Quando dei por conta, estava chorando profusamente, Barnas me olhava com piedade e Pedro afagava meus ombros gentilmente.

— Não fique assim — Pedro tentou me consolar. — Vamos conseguir salvá-los, temos que conseguir, é nossa única opção.

— Como faremos isso? — levantei um pouco minha voz, naquele momento o pânico me dominava e algo espremia meu coração dolorosamente. — Precisamos chegar ao Deserto Vermelho antes deles se quisermos ter uma chance.

— Talvez exista uma forma — Barnas me tirou das minhas divagações e por um momento senti a esperança brotar. — Rápido venham comigo, sem perguntas.

Seguimos o velho homem entre os corredores internos da igreja, chegamos até uma espécie de fonte, a água brotava límpida da rocha e se acumulava numa piscina natural. Eu já havia percebido que a igreja havia sido construída sobre terra firme, mas jamais imaginaria que houvesse uma fonte dentro dela. Toda a fonte era circundada por uma cerca de bambu, com pequenas portas, também de bambu. Entretanto não havia divisória.

— Banhem-se nas águas da fonte, o mais rápido possível. É uma fonte medicinal, vai ajudar a curar seus ferimentos e renovar suas energias. Depois me encontrem no refeitório.

Um constrangimento imediato surgiu entre eu e Pedro. Minhas bochechas ardiam e eu não precisava olhá-las para saber que estavam vermelhas.

— Você toma banho primeiro, eu espero aqui de fora — Pedro se preparou para sair dali, mas segurei seu ombro firme.

— Não podemos perder tempo. Vamos... Vamos fazer isso juntos... Só não... Você sabe... Me olhe. Ficamos de costas um para o outro, certo?

Pedro assentiu e por um momento vi suas bochechas enrubescerem. Nos viramos, ficando de costas um para o outro, o constrangimento se erguendo como um muro entre nós, os segundos pareciam durar demais até que nos despimos. Ouvi quando ele entrou na água e fiz o mesmo.

A água estava muito gelada, tornando aquele banho uma tarefa árdua. O silêncio perdurou até o final, quando Pedro se manifestou, dizendo que estava saindo. Senti-me enrubescer e subitamente a água já não parecia estar fria o bastante. Encarei a cerca de bambu, ignorando totalmente Pedro ficando mais rígida do que a pedra da qual a água brotava. Esperei cinco minutos para ter certeza de que estava sozinha e saí da fonte, tiritando de frio. Encontrei toalha e roupas limpas, e então vesti.

Corri até o refeitório enxugando o cabelo pelo caminho. Pedro comia um pão vorazmente enquanto Barnas estava quieto apenas observando. Me sentei e Barnas colocou a cesta com alguns pães a minha frente, num convite para que eu me servisse, só então percebi o quanto estava faminta. Comecei a comer, e embora tudo fosse muito simples, me senti extremamente grata.

— Como eu já havia dito antes, talvez ainda haja uma chance — iniciou Barnas. Pedro e eu dividíamos nossa atenção entre suas palavras e o pão que comíamos. — Demônios não podem atravessar água corrente, terão que pegar o caminho mais longo, por terra, levarão no mínimo cinco dias para chegar. Vocês vão de barco, podem chegar lá em quatro dias, com sorte três. Há um pequeno porto a uns cinco quilômetros daqui, mais acima, no Rio Azul, peguem o barco até Dashai, e de lá devem andar até o deserto.

— Impossível, não temos um único tostão no bolso, não poderemos pagar a viagem — Pedro debruçou-se sobre a mesa.

— Vão sim! — Barnas atirou um pequeno saco de couro sobre a mesa, o retinir metálico característico de moedas ecoou pelo lugar. — Não digam nada, apenas aceitem e salvem todos os que puderem. Eu iria com vocês, juro por Shai, mas as crianças que estão aqui precisam de mim, muitas delas não tem mais nenhum lugar pra ir.

Vermilion - A sociedade das máscarasOnde histórias criam vida. Descubra agora