A outra parte da história.

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As palavras do Christopher ecoaram em minha mente enquanto eu encarava o pôr do sol através da janela. Minha vida havia dado uma guinada inesperada, mergulhando-me de cabeça em um mundo que antes era apenas parte de mitos e lendas. Agora, eu era parte dele, uma Nefilim, um ser que carregava uma maldição e uma missão que me fora imposta sem escolha.

Eram cerca de sete horas da noite quando Cristopher me deixou na rua de trás da minha casa. Durante todo o trajeto até ali, ele me perguntou mais de uma vez se realmente não havia a necessidade de me deixar na porta, respondi-lhe repetidamente que não, pois precisava caminhar, reunir coragem e refletir sobre algumas questões.

‒ Vai dar tudo certo, meu anjo - disse-me assim que notou a ansiedade estampada em meu rosto.

‒ Evitei ambos vocês durante toda esta semana porque não sabia como abordar o que estava acontecendo. Agora, depois de conhecer toda a verdade, a situação ficou ainda mais complexa - confessei, lançando-lhe um sorriso nervoso e apoiando minha cabeça no topo do banco do carro. Olhei o teto e respirei profundamente, frustrada.

Christopher passou as mãos entre meus cabelos e delicadamente virou meu rosto para encará-lo.

‒Não pareceu tão difícil para você me procurar hoje - comentou, arqueando uma sobrancelha.

Dei risada.

‒ Estava com raiva. As coisas são mais simples quando há raiva.

‒ E agora, você não está mais com raiva? Isso significa que estou perdoado? - provocou, fixando seus olhos em mim, desafiando-me a responder.

‒ Não. A raiva passou - fiz um gesto de desinteresse e logo sorri - No entanto, ainda estou magoada por vocês terem ocultado tudo isso de mim. Depois de conhecer o que aconteceu contigo e com ele... - respirei fundo - a raiva desvanece.

"Você vai superar isso", ouvi sua voz ecoar em minha mente.

‒ Cristopher, estamos sozinhos aqui. Você pode falar em voz alta.

‒ Só achei que conseguiria montar um clima se eu fizesse isso - deu de ombros, esboçando um sorriso que retribuí. Instantes depois, um silêncio pairou no ar. Seus olhos, no entanto, continuaram a me penetrar intensamente, percorrendo cada canto do meu rosto, apreciando cada detalhe antes de se fixarem em meus lábios.

Eu compreendia o que ele desejava e eu havia cansado de mentir para mim mesma dizendo que não queria o mesmo. Antes de conseguir refletir, seus lábios capturaram os meus e não ofereci resistência. Com uma fome insaciável, nossos lábios se procuraram desesperadamente, uma onda de energia percorreu todo o meu ser. Cada toque de sua língua na minha e sua mão firme em minha cintura, puxando-me para mais perto, instigava um anseio por mais, por mais beijos, mais toques. Quando percebi, estava sentada em seu colo.

— Casey, talvez devêssemos parar por aqui - disse, tentando recuperar o fôlego.

— Você está certo - concordei, levantando-me de seu colo, sentindo o rubor em meu rosto. "O que eu estava pensando?" - Me desculpa.

— Não, por favor, não peça desculpas. Eu te desejo intensamente, Casey, e você não fez nada de errado. Na verdade, foi ótimo, e eu quero mais. Contudo, desejo que esteja consciente do que está fazendo para que não se arrependa depois - seus olhos me fitaram com doçura e sabia que estava certo. No entanto, isso não impedia que cada célula do meu corpo anelasse por aquilo. Neste momento, precisava focar, não podia permitir arrependimentos.

—Até amanhã então? Após as aulas? - perguntei, ajeitando minhas roupas e me preparando para sair do carro.

— Estarei contigo muito antes disso - respondeu com um olhar travesso.

— O que quer dizer?

— Oficialmente, a partir de agora, iniciarei seu treinamento Nephilin. Hoje, lhe passarei uma lição de casa - ele fingiu um semblante mais sério, me fazendo rir.

— E qual seria essa lição, professor? - indaguei, ainda sorrindo.

— Hoje, entrarei em seus sonhos e lhe ensinarei como ingressar nos meus.

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Assim que deixei o carro de Cristopher, ele me beijou pela última vez e partiu, me deixando sozinha com meus pensamentos enquanto as luzes traseiras do carro desapareciam gradualmente na escuridão da noite. Refleti sobre o que havia ocorrido e sobre o que estava prestes a acontecer em breve.

A noite estava gélida, nuvens ocasionalmente obscureciam a lua que iluminava meu trajeto. Senti-me rejuvenescida. O mundo ao meu redor não era mais o mesmo; será que fui eu que havia mudado?

Caminhei vagarosamente pela estrada, procrastinando o inevitável. A paisagem noturna era encantadora. O som cadenciado de meus coturnos ressoava pelo chão de concreto da deserta estrada, enquanto o vento acariciava meus cabelos.

Após uma longa caminhada, deparei-me com a porta de entrada de minha casa. A luz externa estava acesa, indicando que meu pai estava à minha espera. No entanto, como tudo em minha volta, a casa parecia diferente, assim como os meus sentimentos em relação a Cristopher. No entanto, não havia tempo para ponderar sobre isso naquele instante. Reuni a coragem restante e encaminhei-me para o que não podia mais ser adiado.

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Ao adentrar a casa, pendurei o casaco no cabideiro ao lado e segui para a cozinha. O aroma dos bolinhos de fubá fritos, que meu pai preparava, inundou o ar.

  — Então você já está ciente de tudo? - indagou sem rodeios assim que notou minha presença.

— Parece que o senhor conversou com Christopher - disse, cruzando os braços e apoiando-me na mesa próxima.

— Pensava em como e quando lhe contaria, mas parece que Christopher elucidou tudo por mim.

— Também estava ponderando como começaria essa conversa - respirei fundo - Que sorte a minha ter um anjo da guarda sempre por perto para proteger a pobre e indefesa Casey das encrencas - ironizei.

— Não acho que você seja indefesa, Casey. E explicarei por que escondi tudo isso. - ele secou as mãos no avental, retirando-o e pendurando-o no puxador do fogão antes de dirigir-se à sala.

— Espero que sim - falei, seguindo-o.


Caído para mimOnde histórias criam vida. Descubra agora