Nem tudo é o que parece ser.

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— Estava pensando em como e quando lhe falaria sobre isso — começou meu pai, sentando-se no sofá com um semblante sério — Mas talvez seja hora de esclarecer as coisas.

Enquanto eu me acomodava em uma poltrona, ele continuou:
— Quando sua mãe me revelou a gravidez, foi como ouvir a mais doce melodia que já passou pelos meus ouvidos em toda a minha existência. Se havia algo que eu desejava mais do que a própria vida da sua mãe, era construir uma família com ela — afirmou com convicção. — Desde que você ainda era um feto, prometi protegê-la. — Seus olhos encontram os meus com ternura. — O Arcanjo que nutre ódio por mim tem almejado tirar a sua vida desde o momento em que soube da gravidez de sua mãe. Inúmeras vezes ele tentou ceifar sua vida durante esse período.

Meu coração acelerou. As palavras dele pareciam distantes, como se viessem de um sonho.

— Imagino que o motivo de minha mãe jamais ter me relatado isso seja porque você generosamente apagou tal lembrança de sua memória — disse com sarcasmo.
— Casey, por vezes, o desconhecimento é uma dádiva. Sei que é difícil de aceitar, mas é verdade — continuou ele. — Temíamos as consequências, as responsabilidades que acompanham esses dons. Mas você está prestes a enfrentar um desafio ainda maior.

— Isso também inclui não me contar que você é o líder do clube de motoqueiros no qual quase fui morta? — Expresso um sorriso falso e ele solta um suspiro profundo.

— Não haveria maneira de lhe comunicar essa informação sem explicar tudo.

— Realmente pensou em todos os detalhes. Fez cada escolha por mim, inclusive o rapaz por quem eu deveria nutrir afeto, os lugares que eu deveria frequentar... — Enquanto expresso tais palavras, algo se torna evidente, algo que só percebo agora. — A Dra. Carter também foi a mando do senhor, não foi? — Ele não responde, mas o silêncio que permeia o ambiente fala por si. — Claro. — Expresso em absoluto desalento. — Agora entendo por que você insistia tanto nas sessões. Eu ia até lá para que ela apagasse os fatos verdadeiros e inserisse memórias falsas em meu cérebro. Por isso os sonhos com Christopher. — Sorrio nervosamente. — Por que não começa a escolher a cor das minhas calcinhas também?!
— Casey, sei que o que fiz, apesar de fundamentado em boas intenções, foi errado. Ainda assim, sou seu pai. Contudo, isso não lhe dá o direito de dirigir-se a mim de tal maneira.

Respiro fundo, reconhecendo a imaturidade de minha atitude, e logo em seguida peço desculpas. Se eu pretendia demonstrar minha capacidade de lidar com tudo isso sozinha, deveria agir de acordo.

— Existe uma sociedade de anjos guardiões que mantém o equilíbrio entre o mundo humano e o mundo dos seres sobrenaturais. Uma organização que se esforça para preservar a paz e a ordem. Eles estão cientes de sua existência, Casey, porque como você já sabe, eu sou o líder deles, e agora, por conta disso, estão todos observando você. Todos eles estavam no moto clube naquela noite. O Apocalipse foi estabelecido muito antes de seu nascimento. —  Ele prossegue. — Bem antes de sequer considerar a possibilidade de ter uma filha com sua mãe. Criei o Apocalipse como um refúgio seguro para os meus anjos.

— É por isso que Christopher tem aquela tatuagem? Para provar que ele é um de seus anjos? — Recordo-me do desenho que Christopher mostrou ao segurança antes de entrar.

— Preciso saber como identificar os meus quando não estou presente.

— E você, por que tem essa tatuagem? —  Indico o desenho de um escudo alado com uma espada à sua frente, tatuado em seu ombro.

— Não. Não fiz para fins de identificação. Não pretendo me gabar, mas todos os seres celestiais sabem quem sou, assim como todos sabem quem você é. — Ele aponta para mim. — Fiz para jamais me esquecer de minha verdadeira essência e origem. Quanto mais um anjo permite-se ser consumido por seus pecados, mais se distancia de Deus. É por isso que carrego essa tatuagem, para lembrar-me de que, apesar de tudo, pertenço a Ele.

— Sabe por que estou zangada com o senhor? Porque o amo. — Exponho com sinceridade. — E é por esse amor que me sinto magoada por ter escondido de mim algo que não lhe cabia a decisão de esconder. Acreditava que contávamos tudo um para o outro, que éramos amigos, que não havia segredos entre nós. Quando descobri que havia um segredo, e que era um segredo monumental, não queria olhar para o seu rosto, tampouco o de Christopher. Senti-me traída. — Ergo meu olhar para o teto, lutando contra as lágrimas que teimam em aflorar. — Até ontem, vivi uma vida que não era a minha. Hoje, encaro-me no espelho e não me reconheço. — Antes de pronunciar as palavras seguintes, desabo completamente. A fortaleza que tentara manter desde a morte de minha mãe, neste momento, evapora-se. Com um fluxo de lágrimas inundando meu rosto, indago: — Você já teve medo de si mesmo? —  Seus olhos refletem culpa e, antes que possa responder, prossigo. — Pois é exatamente o que estou sentindo agora. Eu quebrei o dedo de uma das garotas do time de vôlei. Por causa de seu segredo, elas me encaram como se eu fosse um monstro, e foi exatamente assim que me senti naquele instante, um monstro, até que Eve apareceu...

Ao mencionar o nome dela, a culpa em seu rosto desaparece, dando lugar a uma profunda desconfiança.

— Casey, o que exatamente essa garota lhe disse?

Fixo-o, perplexa com esse tipo de pergunta. Aqui estou, desvendando minha alma diante dele, entregando-me às lágrimas, e ele questiona: "O que Eve lhe disse?" É quase inacreditável. No entanto, ao contrário dele, nunca lhe ocultei nada, e este não é o momento de começar a fazer isso.
Inicio narrando a conversa que ela teve com Mark, mas no momento em que menciono o nome de um dos anjos de seu rival, ele me interrompe.

— Sei que acredita que essa garota é sua amiga, mas precisa se afastar dela. — Seus olhos estão cheios de preocupação, e estou cansada do olhar constante e preocupado dele, assim como de Christopher.

— Vocês são incríveis. — Sussurro, passando as mãos pelos cabelos. — Ouviu o que acabei de dizer há alguns minutos? Eu quebrei o dedo de uma das garotas. —  Reafirmo enfaticamente. — Poderia ter acontecido algo pior se Eve não tivesse me contado toda a verdade.

Não importa o que eu diga, ele não vai admitir que errou. Desabo minhas mãos sobre o sofá com força e me levanto, decidida a colocar um ponto final nessa conversa.

— Esta conversa foi um erro.

— Você não está entendendo, filha. — Ele levanta-se do sofá e agarra minhas mãos, desesperado, como se tentasse injetar suas palavras em minha mente. -— Se na primeira vez ele a procurou, o que o impediria de fazer a mesma agora? Quer realmente que eu acredite que o Mark simplesmente decidiu fazer uma pausa na biblioteca, leu um livro e só depois resolveu ir atrás de você? E que, no caminho, se distraiu com uma aluna?

A maneira como ele expressa essas palavras faz com que tudo o que eu disse soe absurdo.

— Ela me disse que também é uma Nephilin, assim como eu. Mark deve ter sentido a presença dela e a confundido comigo, já que não fui à escola ontem. Por isso, ele entrou na biblioteca.

— Saberia se houvesse mais como você por aí. — Diz mais a si mesmo do que a mim.

— Como pode afirmar isso? — Indago, sem acreditar no que acabei de ouvir. — Cristal disse a Christopher que o outro Arcanjo está recrutando humanos. Ele está formando um exército para chegar até mim.

— Seu grupo e o dele caíram há muitos anos. Como pode ter certeza de que alguns deles não tiveram filhos nesse meio tempo? — Fixo o olhar em seus olhos.

— Casey, não sou ingênuo. Entendo que isso poderia ter ocorrido, aconteceu com muitos dos meus. Já disse e reitero, foi por isso que criei o Apocalipse, para proteger os meus. Entretanto, ninguém nasce Nephilin, assim que caí, assumi forma humana, pois a Terra foi criada para os humanos, você nasceu humana e só se tornou Nephilin por intervenção celestial, a minha intervenção.

— Cristopher mencionou a Lâmina Hibrida, uma parte dela mata o lado celestial e a outra metade mata o lado humano, sendo assim, se este Arcanjo realmente a possui, ele deve estar gerando novos Nephilins. —  Penso em voz alta, enquanto meu pai se perde em pensamentos depois de minha teoria.

— Mas, se Eve é um deles, por que Mark não a reconheceria?

Num estalo, minha mente compreende tudo.

— Pai, começo a crer que não sou a única confiando na pessoa errada.

Caído para mimOnde histórias criam vida. Descubra agora