Do País

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Entenda o desenho do país como um quadrado, daí partirei para as outras demarcações.
Primeiramente, este país se constrói ao redor do Templo (trace duas setas em diagonal, marque um ponto no encontro das setas. O Templo estará ali, bem no centro do quadrado). O que é o Templo? Bem, este nome nos é similar, dado que também temos templos por aqui. Não tão diverso quanto o nosso povo em termos de crenças, o país de Mariá venera a uma única criatura: a divindade — um ser onipresente, onisciente, o olho que tudo vê e tudo sabe. É esta divindade a provedora de tudo que possa ser necessário à vida. Alimento? Há matéria-prima suficiente para uma vasta produção. Todos satisfazem a fome, não há faltas. Calor? Com toda certeza. Não faz frio neste país. Dinheiro? Sequer se pensa, como pensamos por aqui. Trabalho? É a divindade quem escolhe qual o mais adequado para todos os cidadãos, e devo informar que a indústria manufatureira serve à grande maioria. Ou todos se parecem em demasiado, ou falta à tal divindade olhos apurados para perceber as sutis diferenças.
Sutis, de fato, são.
As vestes são sempre similares, os cortes de cabelo se enquadram no modismo da praticidade. Algumas diferenças de pele e olhos, traços de rosto e um ou outro nariz mais fino. Em todos os cidadãos, uma mesma característica era a primeira a ser levada em conta: o sorriso largo, de orelha a orelha, qualquer que fosse o momento. Deve ser por isto que a divindade tanto se confundia e via em todos a mesma vocação para as indústrias.
Estas indústrias, é importante dizer, são quatro enormes instalações com portões de ferro e chaminés, cada uma em um dos quatro cantos do país (bem nas quinas do quadrado, aquele quadrado que você desenhou). Em suas máquinas, os resilientes trabalhadores produzem seus bens de consumo: em uma, Alimentos Enlatados, em outra Vestuários. Na terceira se fazem itens para Obras e Construções, da quarta saem produtos de Higiene e Limpeza. Toda a matéria prima, como é possível prever, é gentilmente cedida pela divindade e está disposta na natureza. Ao fim do expediente, cada cidadão recebe sua quota de cada uma das indústrias, de forma que garanta o bem-estar de sua família naquele dia.
As paredes, todas, variavam entre tons de cinza. São poucas as flores, resistentes e nascidas das sementes teimosas caídas nas rachaduras do concreto. Não criam-se animais, exceto aqueles concebidos apenas para alimento ou transporte.
Sobre o Templo: imagine a mais bela construção de nosso país. Agora, adorne com ouro e tudo quanto é metal precioso. Encaixe-a dentre casas cinzentas e pequenas e voilá, temos o retrato perfeito.
No centro da construção se instalava uma alta torre. Rezam as lendas que seu tamanho gigantesco servia para abrigar a divindade, tão alta que em nenhuma construção menor caberia. De qualquer forma, guardaremos as suposições e traremos os fatos: dada a localização do Templo, dali era possível vigiar toda a cidade no melhor dos panópticos.
Era o que fazia. Uma vez por dia, sempre ao meio-dia, a voz atribuída à divindade ecoava da torre e se espalhava por todo o país. Que a felicidade perdure! Que não nos faltem sorrisos!, a voz pregava. Os cidadãos, maravilhados, faziam reverências ao Templo e agradeciam por tão benevolente vigília.
Se faltam alguns detalhes, estes não importam. Organizei aqui tudo que Mariá pôde recolher em seus quinze anos; informações para além não estavam ao alcance da menina. Foi neste cenário que Mariá cresceu, sufocada pelas paredes por demais cinzentas.

MariáOnde histórias criam vida. Descubra agora