Dos pensamentos

49 13 0
                                        

À noite, Mariá dormia no quarto da casa de seus pais. Durante o dia, retornava às pinturas e ao rapaz raquítico no ateliê. Se por um lado o explicava sobre as tintas e tons e texturas nas telas, por outro recolhia seus melancólicos pensamentos.
"Não entendo este país", ele dizia, "é como se tudo estivesse errado por aqui".
"Do que está falando?"
"Não sei ao certo, mas estranho tudo e qualquer coisa desde que me dei por vivo. É como se eu tivesse nascido em outro canto, com outra gente, que não sorria como a gente de cá".
"Somos de todos o país mais feliz, é o que dizem", Mariá deu de ombros, como se aquilo não importasse. "Na verdade, pouco conheço para além das fronteiras, nada além das lendas sobre os esquisitos e tristes que lá vivem".
o que dizem. Aposto que nenhum deles realmente saiu daqui. Escutam a divindade como se o maior informante fosse, e mesmo ela nunca deixa a torre do Templo".
No fundo, Mariá concordava. Toda a fala do rapaz se mostrava pertinente e de acordo com seus avassaladores pensamentos perguntadores. Mas... parecia loucura! Sim, loucura, qualquer outro que ouvisse os repreenderia. Ora, não é à toa que conversavam à sós em um esconderijo, não é mesmo?
"Deve vir daí a magreza do rapaz", Mariá pensava, "deve ser sugado por toda a sua própria loucura, pois nunca pode falar dela". Por um lado, temia chegar ao mesmo destino de seu novo amigo. Por outro, estar junto a ele nesta loucura parecia até mais apropriado que o labutar eterno nas indústrias.
E fez a pergunta deixada de lado no primeiro encontro:
"O que de tão terrível fez para ser esquecido?"
Sucintamente, o rapaz raquítico responde: "Entrei no Templo."
Mariá se espantou. Nunca soube de qualquer pessoa que tivesse se arriscado a tal façanha. O Templo era um lugar sagrado e lá ninguém deveria entrar — apenas aqueles selecionados pela divindade, é claro.

MariáOnde histórias criam vida. Descubra agora