Do rapaz raquítico

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Um dia, em suas andanças pelo país, Mariá esbarrou com o rapaz raquítico — optei por chamá-lo desta forma pois nome já não tem, e magreza é sua característica que primeiro salta aos olhos. Este repousava no banco de uma praça, parecendo totalmente deslocado daquela paisagem e também completamente invisível.
O rapaz raquítico, como pode supor pela descrição tão breve no último parágrafo, não sorria. Mariá ficou curiosa. Alguém como ela? Não era possível. Como passava despercebido pelo crivo dos sorridentes cidadãos, se mesmo ela precisava forçar o sorriso a todo instante para não ser notada?
Mariá o notou. Se aproximou. Tomado por tremedeiras, o rapaz parecia prestes a congelar — o que era bem estranho, dado que a divindade não deixava o frio aparecer. Mariá ofereceu a ele sua capa. Fez o convite para uma xícara de chá quente, um dos mais adequados remédios para o frio aqui em nosso país. Mariá toma o rapaz raquítico em seus ombros e o leva até o único esconderijo que conhecia: seu próprio ateliê.
Desde a chegada do rapaz, muitas coisas mudaram para Mariá. Precisou reorganizar seu ateliê para que fosse também um lugar de dormir — pois ali o rapaz raquítico ficaria hospedado enquanto de teto precisasse. Se dispôs a trazer alimentos para ele em escondido, e levá-lo a um ambiente privado para eventuais banhos. Viu, então, um singelo vislumbre de sorriso no rosto esquelético, ainda muito diferente dos outros cidadãos.
"Por que estava na praça?", interrogou com a doçura que tal questão exigia. "Não tens casa ou família?"
"Eu tinha todas essas coisas que todos aqui têm, até que fui esquecido".
Mariá não fez mais perguntas, temendo invadir questões de muita profundidade na conversa com o rapaz que acabara de conhecer. Ficou em silêncio e ele também nada disse, e isto se deu por tanto tempo que os dois acostumaram com o constrangimento de estar sem assuntos.
Mas assuntos não eram essenciais. Mariá sabia que não devia ser inquisidora, o rapaz sabia que monólogos de sua parte de nada serviriam. O gelo se quebrou quando o moço se deu conta das pinturas espalhadas pelo ateliê, ao mesmo tempo em que Mariá percebeu: era a primeira vez que alguém via as obras.
"É lindo. Tanta cor! Você quem faz?", ele quis saber.
"Sim", ela sorria, e seu rosto se ruborizou por timidez.
Mariá passou aquela tarde junto ao rapaz, no dedicado trabalho de fazê-lo um retrato. Por ele foi presenteada com uma boneca de pano, com olhos de botão e os lábios costurados, que carregava consigo. "Eu fiz", ele explicou, "só não sabia a quem entregar. Deve ser para você". Mariá agradeceu, encantada, já que não ganhava muitos presentes. Guardou em sua bolsa e estava decidida a levar o brinquedo para todos os cantos.

MariáOnde histórias criam vida. Descubra agora