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Aquela Voz

Passei mais uns sete meses vivendo aquele amor platônico, apenas ouvindo a linda voz de Helô Marinho todas as noites e fantasiando milhares de encontros com ela. Projetava em minha mente as mais diversas formas físicas que ela poderia ter, mas nunca tive coragem de passar disso. Sequer a procurei nas redes sociais. Acho que no fundo eu tinha certo medo de me desencantar. Eu amava tanto aquela voz e aquele carisma! E se ela, pessoalmente, não fosse nada daquilo?

Não falo de aparência, não se trata disso. Aliás, o rádio tem essa coisa que me encanta, porque não alimenta a vaidade das pessoas. Hoje em dia tem esses programas que são transmitidos por streaming, mas ainda assim eu não acredito que o rádio seja uma fábrica de vaidosos, obcecados pela aparência, como a TV.

A questão era que eu não queria me apaixonar pela pessoa Helô Marinho. E se aquele charme todo fosse só característica de um personagem? E se ela fosse uma estrelinha de nariz empinado, fútil e metida à besta? Não, eu não pagaria para ver. Só a voz dela já me bastava. Estava satisfeita com as minhas fantasias. Nelas, ela era perfeita. Eu não a queria na minha coleção de amores frustrados.

Bah, a quem eu queria enganar?

Mentir para si mesmo era a pior e mais cruel das mentiras. Eu queria, sim, conhecer o rosto da Helô. Queria muito! Mas eu era uma tremenda tanga frouxa e não tinha coragem de encará-la sequer em uma foto.

Depois de um tempo ouvindo o programa dela todas as noites, e nem todas as noites conseguindo coragem para ligar e falar com ela, eu me vi sentindo sua falta e lamentando por não ter sua companhia durante o dia também.

Helô leu mais uma mensagem minha no ar:

— ... E quando o mundo estiver acabando, eu ainda vou te desejar, ainda vou desejar ouvir tua voz e me lembrar do momento em que me apaixonei por ela. Nesse momento, eu vou apenas pensar no quão fui feliz em tê-la comigo, em mim e por mim, embora apenas nos meus sonhos mais doces e ternos. Sonhos onde projeto o teu cheiro frutado, grudado na minha pele, a calidez das tuas mãos deslizando pelo meu corpo. E assim vou vivendo contigo em todas as minhas noites. Sonhando com o dia em que tu vai sair dos meus sonhos e entrar na minha realidade pela porta da frente.

Quando ela acabou, notei que ficou em silêncio por um instante. Tive a impressão até de ouvir um suspiro.

Será que ela entendeu o recado?

— Essa foi a Carina nos deliciando com todo o seu romantismo, para nos deixar ainda mais apaixonados. — Ela falou o meu nome no ar pela primeira vez, e senti meu coração pulsar, acelerado. — Quem é Carina? Não importa seu sobrenome: é apenas Carina. Ela nem queria que eu divulgasse, mas não resisti. Isso foi tão lindo e tão profundo que a emoção não permitiu que eu mantivesse segredo. Essa é pra ti, Carina! — Colocou Stay With Me, do Sam Smith, para tocar sem que eu pedisse.

Comecei a suar frio, minha garganta secou. A adrenalina me fazia tremer. Eu havia sido descoberta e não sabia se aquilo me deixava feliz ou apavorada.

Eu tinha enviado a mensagem pelo aplicativo. Ainda estava na empresa, rodeada de projetos e planilhas.

Marla, minha assistente pessoal, bateu levemente à porta e me tirou daquele transe delicioso em que eu me encontrava. Pedi que entrasse, ela obedeceu, entregou-me um envelope e deixou a sala. Era o projeto dos japoneses. Eu teria uma reunião dali a vinte minutos.

Enquanto isso, eu ouvia Helô e tentava adiantar o trabalho do dia seguinte, mas estava impossível me concentrar em alguma coisa depois daquela música.