Capítulo 2

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Saímos do portal quase tão rápido quanto entramos. Rudá tagarelava algo sobre eu manter a calma e ir com cautela - como se ele soubesse o que a palavra "cautela" significava. Senti a diferença no clima de imediato, não estava fazendo tanto frio, mas o ar era mais seco que o de casa. Talvez por falta de arborização, ou o nível do mar, não sei.

O local onde desembocamos estava quieto e cheirava um pouco a mofo. Um grande lustre iluminava o recinto - que por vista era bem grande e alto a perder de vista. As paredes ao redor de nós disputavam entre alvenaria e madeira polida e envernizada. Se não fosse pela escadaria gigantesca à nossa esquerda, eu diria que o cômodo era uma sala de treinamento, pois, por onde a vista corria encontravam-se armas e mais armas. Lâminas Serafins, Arcos moldados dos mais diversos padrões: recurvos, asiáticos, indianos... Lanças leves e pesadas, além de uma clava robusta no centro de duas bestas negras como carvão.

Admirei os equipamentos boquiaberto enquanto Rudá explorava o restante da sala. Vez ou outra bulia em um dos instrumentos analisando sua qualidade, seja lá onde nós estivéssemos, era um local bem equipado e preparado. Fiquei empolgado para desbravar o restante da "casa, mansão, castelo, calabouço...", para saber o que mais escondia. No Instituto do Presépio não tínhamos tantos exemplares quanto aqueles, Alicante sempre nos enviou somente o necessário, e o restantes sempre tivemos que tirar do próprio bolso. O Conselho alega que os estoques estão escassos depois da guerra, - o que "curiosamente" nunca impediu que o abastecimento dos Rosales continuasse normalmente.

E em casa nós não tínhamos AQUILO.

Dentre todos os objetos na sala, ela foi a que mais chamou minha atenção. Eu pensei que não se fabricava uma assim, que era um gasto desnecessário. Mas ali estava ela. Uma pedra enfeitiçada do tamanho de uma almofada de sofá, acoplada a um pedestal de madeira adornado por fios de electrum. Primeiro achei ser apenas uma pedra comum, mas então vi as runas nas bordas da base que a mantinha há quase dois metros do chão.

Caminhei até ela, estava bem mais afastada em um dos cantos do recinto - sozinha, roubando a cena no seu próprio espaço, nenhum instrumento fora posto ao seu redor, uma Deusa imaculada sendo adorada pelos súditos . Queria ver sua luminosidade quando tocada. Será que alumiaria todo o recinto?

- Acho melhor você não tocar nessa coisa. - Rudá me repreendeu, olhando para a pedra por cima do meu ombro. - Talvez os donos não gostem que mexam nas coisas deles.

Olhei para ele, seus olhos diziam: Rápido seu idiota, antes que eles cheguem. Então toquei no artefato com a ponta do dedo, e depois espalmei a mão. E foi surpreendente.

Era calorosamente reconfortante e familiar. A pedra resplandeceu sua luz alcançando toda a área ao nosso redor, desde onde estávamos, aos cantos mais distantes e escuros do cômodo. Não igual às outras, pelo contrário, bem mais forte e poderosa. Apoiei a outra mão para captar melhor sua essência. Em respostas, ela praticamente invocou o próprio sol, pois minha visão ficou basa e tudo que pude vislumbrar foi "luz e mais luz". A energia que a imbuia era fascinante, parecia despertar algo adormecido dentro de mim. Senti aquela sensação estranha nas minhas costas, algo se contorcendo, como se minhas juntas estivessem ganhado vida própria. Mas não incomodou, era inebriante. Elas queriam sair, eu sabia que elas queriam ser libertas. Então soltei a pedra num movimento brusco, tropeçando para trás. Mais alguns segundos e...

Recuperei o equilíbrio e virei-me para a única pessoa que presenciara o fenômeno.

Rudá estava com o braço na frente dos olhos, tapando-os, como se eles estivessem tentando fugir das cavidades oculares. Foi estranho para mim, nunca o tinha visto na defensiva. Ele pareceu abalado. Se eu ainda não estivesse embriagado pela êxtase do momento, diria que o bruxo até tremia. Suas marcas pareciam queimaduras, como se houvessem sido moldadas a ferro quente.

Sangue Mesclado - Um Toque a MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora