Capítulo 5

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Agora era a minha vez, meses se passaram para a oportunidade perfeita surgir, bem ali na minha frente. Eles atacaram primeiro, eles, mais uma vez, acharam-se no direito de subjugar a vida alheia. Aquele loiro de farmácia quase quebrou uma das minhas costelas. A pancada na parede fez um punhadinho de poeira escorrer pela madeira mofada, aquilo já estava indo longe demais.

Levantei-me contorcendo os músculos da coluna. Uma das minhas adagas jazia caída no chão ao meu lado, convenientemente bem abaixo de onde eu planejava cravá-la. A energia do portal ainda reverberava a parede, a sutileza da magia nunca passara despercebida por meus instintos. Minha mãe dizia que era uma habilidade nata dos Caçadores das Sombras, mas minhas irmãs nunca conseguiram distinguir os vários tipos de emanações, nem mesmo sabiam indicar onde as barreiras de glamour limitavam as fronteiras do nosso instituto. Peguei a adaga do chão. Todos me miravam, certamente esperando que eu contra-atacasse, o que aconteceria mais cedo ou mais tarde.

Numa martelada de ferreiro finquei a lâmina bem acima na parede, onde o nosso portal havia se projetado. Rudá limpava os cotovelos machucados, resmungando em cthoniano, o que fez Magnus sorrir do sotaque brejeiro do caboclo.

Sem perda de tempo, preguei as outras duas adagas bem abaixo da primeira, uma  a direita e a outra afastada a esquerda. De forma que as três formassem um triângulo - um triângulo de Configuração Malachi. Uma das muitas Configurações que eu descobrira no compartimento secreto da minha mãe, na nossa biblioteca em Belém. Não que ela soubesse das minhas aventuras noturnas bisbilhotando seus pertences.

Aquela Configuração específico era utilizada para segurar portais abertos, nunca soube de alguma história dela sendo aplicada, talvez eu fosse a primeira pessoa, mas era um risco que eu estava disposto a correr.

- Eithur, não seja idiota. Você não manipula magia. - Rudá interveio com severidade apontando o dedo para mim, a outra mão ainda massageando o cotovelo. Uma ferroada de remorso me abalou... não. Ele se recusara a me ajudar, e aquele portal se abriria de qualquer jeito. Eu cuidaria pessoalmente para que acontecesse.

Suas marcas acenderam, como sempre acontecia quando ele usava sua magia. Ele lançou uma onda de energia esverdeada, que saiu como um sopro de dragão da palma da mão direita, rumo ao triângulo ao meu lado. Pus-me na frente do impulso antes que acertasse a onda boreal que já desabrochava no centro das adagas.

A aura que me cercava rebateu a magia do feiticeiro como a asa de uma águia, desviando o feitiço à uma das paredes remanescentes do recinto. O ponto do impacto chamuscou e liberou faíscas verdes que cintilaram por alguns segundos.

- Remova a lâmina Eithur, você não sabe nada sobre as runas dos feiticeiros. Você vai acabar matando todos nós. - o bruxo estava cada vez mais perto. - Tire a adaga da parede... AGORA! - ele vociferou. O rugido ressoou como e de uma onça na floresta. Se eu não estivesse tão furioso, aquela demonstração de raiva me assustaria sem sombra de dúvidas.

O outra feiticeiro, que até então estava calado ao lado do namorado, também ficou inquieto. Algumas rugas de preocupação surgiram no canto dos olhos, ao lado da grossa camada de rímel. Não sei o porque de tanto alarde, era só um portal.

- É melhor você ouvir o seu amigo aí, - Magnus disse desgrudando do arco de Alexander - portais envolvem uma magia muito instável. Você pode acabar engolindo todo o instituto, ou pior - ele remexeu os dedos imitando uma explosão -, destruir metade do quarteirão. Quem sabe?

Isabelle chegou mais perto com o irritante bater de botas e parou quando viu com clareza a energia que me cercava. Ela não se acovardou, apenas estufou os seios presos dentro do decote e balançou sua víbora de metal tentando me intimidar.

- Você ouviu, faça o que eles estão mandando, tire as adagas da parede da minha casa. - ela decretou batendo os pés como último aviso.

Não dei ouvidos a Rudá, não dei ouvidos a nenhum deles. Muitos diriam ser birra, ou uma cisma sem sentido nenhum. Mas para mim era muito sério. Porra, eu não queria ficar ali.

- Me obrigue. - firmei as pernas, em um instante o portal estaria completo e eu daria o fora. Rudá que ficasse com seus novos amigos.

Ela então veio em disparada com seu chicote faiscando, esbarrando em Jace, Magnus e o restante da sua alcateia. Não estava mais que uns cinco metros de distância, sua pose esnobe ironizava exatamente qual o seu primeiro movimento.

A aura ao redor de mim se estabilizava aos poucos, adquirindo forma, passando os estágios mais rapidamente que antes. Em casa a última metamorfose demorou quase meia hora, ali por minhas súplicas mentais elas talvez me acudissem com mais rapidez.

Isabelle rodopiou o chicote no ar acima da cabeça, o electrum modulou formas circulares no vento, até descer a saraivada cortando em mim. Porém a aura novamente agiu em minha defesa e pôs-se de contra o metal, disparando-o de volta para a usuária. O instrumento chicoteou para o lado, quase arrancando o braço da caçadora deixando-a ainda mais furiosa. Pelo visto ela não tinha o costume de ser impedida em nada no que fizesse.

Alexander fez menção em me atacar acoplando uma flecha na corda do arco, mas seu feiticeiro o impediu de novo com os olhos de gato notívagos. Com um muchocho, o Nefilim foi a sua irmã recolocando a flecha na aljava. Ela não tão receptiva se desvencilhou dos cuidados e girou sua arma novamente. Desta vez a serpente foi parada pelas mãos do irmão, que notara uma pequena contusão no ombro da garota causada pelo rebote do ataque. Os dois lançaram a fúria ocular da família contra mim. Ótimo, pensei.

Em meio ao meu pequeno triunfo sobre a dona do espartilho esmagador, deixei de lado os outros adversários e um deles em particular me sumiu da vista. Quando dei por mim, Jace não estava mais ao lado de Clary.

Uma nova onda de adrenalina correu por minhas veias, onde ele estava? As pessoas não sumiam assim do nada. Ninguém parecia saber do rapaz, certamente um truque traiçoeiro dos Lightwoods.

Rudá, congelado no lugar depois da ineficácia de sua magia, foi até Magnus, que moldava uma chama azul nas pontas dos dedos, fitando o emaranhado de cores atrás de mim.

Eles cochicharam algo inaudível. Rudá apontou para mim com uma carranca amarga. Medo estampava seus tribais faciais - medo e preocupação. Eles então olharam para cima, um corpo humanoide balançava entre as vigas do teto. O vulto pulava de um caibro para o outro, movimentando-se nas sombras entre a madeira.

A aura azulada dificultou minha visão, mas pude vislumbrar as mechas douradas de seus cabelos sendo tocadas pelas filetas de luz do recinto.

Era uma tática padrão de ataque à longa distância ensinado aos aprendizes. Todos olharam para cima.

Como ele foi parar lá em cima? Não deu tempo dele subir as escadas tão rápido, pensei. E mesmo se subisse, o teto era tão alto que seu vulto parecia mais um borrão de porcelana.

Minhas especulações pararam tão logo seu corpo se encolheu.

Ele estava pronto.

Como um cometa atravessando a atmosfera terrestre, o Nefilim pulou num disparo mortal.

Ele é louco. Louco e exibido.

Ele não atravessaria minha barreira, nem mesmo magia a derrubara. Quem ele pensava que era? 

Sangue Mesclado - Um Toque a MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora