Inglaterra, 1345
Eles andavam lentamente, lado a lado, sem se tocar. As mãos dela repousavam suavemente sobre a saia do vestido, um leve rubor cobria as maçãs de seu rosto de porcelana. Henry a olhava regularmente, embasbacado, encantado. A ama de Lady Renée andava atrás deles, dois passos atrás, ao mesmo tempo garantindo privacidade e demonstrando que eles não estavam sozinhos.
- Espero que tenha usufruído de uma noite de sono agradável.
O rubor dela aumentou quando o ouviu utilizando uma voz rouca.
- Demorei um pouco para me acalmar depois do baile de ontem, mas consegui descansar, meu senhor.
Henry acenou com a cabeça, satisfeito com a resposta. Lady Renée Cromwell possuía uma voz harmoniosa, cadenciada e ritmada. Era como ouvir uma poetisa declamar os mais belos poemas de amor, um bardo contar o mais incrível conto, que te deixa ansioso em seu lugar, com vontade de se levantar para se aproximar e participar da história. Simplesmente impossível mudar a sua atenção para outro lugar quando ouvia Lady Renée falando.
- Foi um ótimo baile. Só planejo dar o melhor para minha noiva.
Lady Renée abaixou levemente a cabeça e acariciou a imensa pedra que repousava em sua mão. Henry achou sua expressão tão encantadora que gostaria de gravar aquela imagem para sempre. Ele perdeu o passo levemente quando a imagem de alguma engenhoca estranha passou por sua cabeça por um milésimo de segundo.
- Tudo bem, Alteza? – ele ouviu ao longe a voz de sua amável noiva. Piscou algumas vezes, até perceber que estava nos jardins do palácio, não em alguma varanda acima do céu.
- Tudo ficará maravilhosamente bem em alguns dias, quando eu receber sua mão de seu pai.
- Vossa Alteza certamente sabe cortejar uma dama, como ficou comprovado ontem à noite no baile. Mas se quiser que sua noiva esteja saudável no dia de seu casamento, sugiro que entrem agora mesmo. – escutaram a voz da ama que se aproximou rapidamente.
Foi quando perceberam que estavam muito próximos um do outro. Se afastaram, Lady Renée corada, Príncipe Henry encabulado com a situação.
- Iaia! – reclamou Renée. – Sinto muito meu senhor. Iaia é muito protetora comigo.
- Não esperava menos de alguém encarregada de cuidar e proteger a próxima Rainha da Inglaterra. – Henry respondeu com um sorriso, dispensando as desculpas. – E ela deu um conselho muito bom, vamos entrar antes que você adoeça.
- É manhã! O sol acabou de surgir, e está um clima agradável. – Renée ainda tentou argumentar. – Não quero entrar agora. Prefiro dar mais algumas voltas por um jardim tão bonito.
Henry franziu o cenho brevemente, surpreso com esse lampejo de teimosia, mas então sorriu com a perspectiva de passar mais alguns minutos em sua companhia.
- Tenho ainda um quarto de hora livre antes que me reúna com conselheiros. Ficaria mais do que satisfeito em acompanhá-la nessas suas voltas pelo jardim.
O sorriso que ela abriu em resposta foi tão luminoso que o dia ficou mais claro instantaneamente. Apagou até mesmo a expressão desaprovadora da ama da família Cromwell.
Inglaterra, 2012
Harry estava numa banqueta em sua sacada. Tinha certeza que durante o seu sonho, ele havia visto essa mesma imagem que agora fitava. E ficara confuso com isso. Se espreguiçou e tornou a entrar em casa. Teria uma manhã maçante antes que pudesse tirar algumas horas para se preparar para a noite.
Renata acordou naquele dia com energias renovadas. Mesmo após passar a semana trabalhando incansavelmente, não fora liberada de qualquer trabalho durante o final de semana, logo, teria que comparecer no palácio para continuar seu treinamento. Pelo menos teria folga no dia seguinte.
Olhou o relógio e se apressou em se arrumar, não queria correr o risco de atrasar. Principalmente levando em conta que não poderia ficar além do horário, já que prometera comparecer no evento que o novo namorado da sua irmã estava organizando. Traje social e tudo o mais.
Claro que possuía o traje adequado, não estava se esquivando disso, mas a perspectiva de fazer uma social com pessoas que mal via e falavam com ela não era bem o que poderia chamar de ponto alto do dia, mas sabia que precisava apoiar a irmã, mesmo que não soubesse exatamente em que a apoiava.
Acenou com a cabeça para o guarda que liberou sua entrada no Palácio e correu para a entrada dos funcionários, quase esbarrando em Liz, que corria de um lado para o outro pelo corredor, gritando ordens para quem a fitasse. Evitou falar qualquer coisa. Apressadamente tomou a direção do vestiário e foi atrás de sua supervisora. Não vira a sombra da srta. Thomas desde o dia em que a apresentara para a sra. Wash, sua supervisora, e que seu treinamento começara, e pretendia que continuasse assim.
Rachel Shaw tinha plena consciência do que os irmãos pensavam dela. Não à toa, eles a chamavam de pau-mandado, mas o que Renata e Matthew não entendiam é que, tendo a mãe que eles tinham, você não pode lutar contra. Se ela fosse tão sem fibra quanto seus irmãos acreditavam... ela não seria uma das melhores advogadas do escritório. Ela apenas sabia lidar com a mãe muito bem, de forma que ela não passava tanto tempo em seu pé quanto no de Renata.
Quando Arthur, que havia conhecido seus pais há alguns dias, disse que estava organizando um pequeno evento beneficente em prol de uma entidade filantrópica, ela imaginou na hora que sua mãe faria de tudo para ser convidada. Não foi necessário, ela foi uma das primeiras a receber o convite. Sabia que a mãe já estava com grandes planos para ela... mas ela não estava tão certa assim se deveria seguir esses planos. Conhecia muito bem o namorado.
E hoje ela teria uma pequena prova do que seria a sua vida se realmente sua mãe estivesse certa e acabasse se casando com Arthur. Possuía experiência com a vida na alta sociedade, seus pais possuíam uma pequena grande fortuna e a maioria dos clientes de seu pai eram empresários bem conectados. Mas Arthur era outro nível, Arthur era nível nobreza, com conexões não só no Reino Unido, mas na Hungria e na península árabe. Se estava nervosa? Imagine...estava além disso. Muito além disso.
Deu um suspiro enquanto tentava relaxar na cadeira do salão. Seus longos cabelos castanhos estavam recebendo um tratamento de princesa, com direito a hidratação, banho de creme e todas as regalias necessárias para ter um visual incrível. Sua maquiagem estava realçando seus olhos esverdeados e suas longas e bem cuidadas unhas estavam sendo pintadas com uma cor discreta. Seu vestido para a noite estava guardado em uma das saletas do salão de beleza, para que assim que finalizasse todo o seu dia de beleza, recebesse ajuda para colocar o vestido e não tirasse nada do lugar.
E como previsto, Harry teve uma manhã inteiramente maçante enquanto era obrigado a ouvir William falando das mais diversas coisas que ele não fazia a menor questão de prestar atenção. Seu irmão era bem irritante quando queria... principalmente se percebia que ele não estava prestando atenção nenhuma à conversa.
- Por favor, Harry. Pelo menos finja que você tem alguma coisa interessante a acrescentar. Mesmo que você não saiba sobre o que é o assunto.
- Claro! – comentou ironicamente. – Ai eu acrescento algo sobre uma promoção de evento em prol dos veteranos de Guerra para você falar que o assunto é sobre a fome na África.
- Mas o assunto é sobre os Veteranos de Guerra. – Will retrucou rolando os olhos. – Sinceramente, você não tem sido você nos últimos dias. O que foi? Preocupado com a missão?
- Incrivelmente, não. Quer dizer, não além do necessário.
- Vamos lá, cabeça dura. Irmão existe para você desabafar...
- E dar uns socos quando nos irritam. – Harry completou com um sorriso.
William suspirou pesado, sabendo que dificilmente saberia o que incomodava o irmão e que estava tirando o seu sono, até porque, era visível as manchas abaixo dos olhos.
- Agora, - continuou Harry se levantava. – já que você vai ficar me irritando, significa que o assunto em questão acabou e eu estou dispensado. Tenho que ir me arrumar para a festa do Arthur.
- Aproveita e vê se encontra algum staff para passar um corretivo no seu rosto. Dá para ver suas olheiras do outro lado da sala.
Harry bufou enquanto se encaminhava para fora do ambiente. Com a frase do irmão, soube que havia se livrado apenas naquele dia, mas logo logo seria importunado por William e, provavelmente, Kate, querendo saber o que estava acontecendo com ele.
A festa beneficente de Arthur Landon. O evento que havia esquecido e que sua agenda fez questão de apitar, o lembrando, na noite anterior. Sabia o que iria acontecer. Ele iria comparecer, um monte de pessoas iria o rodear, puxar o saco, enquanto o resto dos convidados ficariam julgando-o de longe. Coisas que estava sujeito por ser quem era e por ter levado a sua adolescência da forma como levava.
Enquanto entrava em seu apartamento, Harry pensava e repensava se mandava uma mensagem para Cressida, ainda indeciso sobre se queria ou não a companhia da namorada com ele na festa, mais tarde. Soube que Arthur estava, de certa forma, namorando. E ele não achava necessário apresentar ou aproximar as duas. Na experiência dele, logo uma das duas não faria mais parte do grupo... e as apostas estavam na saída de Cressida. "Sorry babe". Ele pensou dando uma risada, enquanto se esticava no sofá e ligava a televisão.
Talvez devesse dar uma cochilada. Ainda tinha tempo antes de começar a se arrumar. E se dormisse um pouco, poderia acabar suavizando as famigeradas olheiras que William fez questão de apontar.
A quem queria enganar? Ele se perguntava com um suspiro enquanto se ajeitava numa posição mais confortável no sofá, já de olhos fechados. Ele queria tentar sonhar mais uma vez com Lady Renée.
Renata suspirou fundo, agradecendo pelo fim de mais um dia de trabalho. Caminhava a passos lentos para o metrô, sabendo que levaria pelo menos 40 minutos para chegar em casa. Talvez hoje devesse ignorar o fato de ser uma trabalhadora independente do dinheiro da família, e chamar um táxi para que chegasse mais rápido em casa. A mãe havia mandado uma mensagem mais cedo avisando que iria deixar um motorista disponível para que a buscasse e a levasse até a festa. "Ou se você preferir vir para casa e ir com a sua família... nos avise o que decidir.". E pelo bem de sua sanidade mental e a do irmão, Renata decidiu encontrar com a família antes. E isso significava que ela iria chamar um táxi para chegar em casa mais cedo e não atrasar mais ainda a família. Deu um suspiro enquanto pensava nas coisas que as pessoas fazem pela família.
Algumas horas mais tarde, o motorista a ajudava a entrar no grande carro da família. Nervosa, Renata olhada no reflexo do vidro do carro para ver se estava tudo intacto em sua maquiagem e no penteado que Jully a ajudara a fazer. O coque armado e a franja ajeitada milimetricamente, o pequeno detalhe prata, preso na lateral da cabeça, os brincos de diamantes que ganhara do pai há dois Natais, a gargantilha discreta que faz par com os brincos. Tudo era um complemento para o principal: o vestido púrpura, tomara que caia, de corpete ricamente bordado e saia levemente armada, uma carteira prata completando o traje.
Enquanto sorria para si mesmo, tentando aumentar sua confiança, Renata pensava e repensava se ela havia feito o certo em concordar em ir nesse evento. Seus olhos castanhos, realçados pela maquiagem esfumaçada, brilhavam de ansiedade e nervosismo. A clássica pergunta "Onde foi que eu me meti?" repetindo constantemente em sua cabeça enquanto ela via o carro encostando na entrada de sua casa e percebia que seu pai, sua mãe e seu irmão já aguardavam do lado de fora. O sorriso sem tamanho da mãe já dava a resposta para a pergunta que acabara de fazer.
- E ai mana?! – Matthew cumprimentou enquanto escalava para o banco traseiro. – O que devemos o prazer da sua companhia hoje?
- Matt! – a Sra. Shaw chamou a atenção enquanto se curvava para soprar um beijo na bochecha da filha. – Ignore seu irmão, querida. Ele está irritado porque eu confisquei todos os jogos dele.
- Só quero saber como você espera que eu consiga aguentar toda essa festa.
- Socializando com as pessoas, fazendo novos amigos. Sinceramente Matthew, eu esperava que você tivesse amadurecido mais, depois que entrou para a faculdade.
- Quem é que há alguns dias atrás estava falando que nossos filhos serão sempre seus bebês? – interferiu Joseph enquanto sorria cumplice para Renata. – Olá querida, você está linda.
- Obrigada papai.
- Joseph, mesmo eles sendo meus bebês, eu ainda posso brigar quando eles se comportam como um. É meu direito de mãe! E seu pai tem razão, meu bem. Você está deslumbrante. Achei que não a veria nesse vestido. A quanto tempo ele está no seu armário?
Renata bufou enquanto olhava desesperadamente para o pai.
- Becky. Respira fundo. Olha que maravilha: dois dos nossos três filhos estão aqui. Agora, para que ficar enchendo a cabeça deles de assunto que você sabe que vai irritá-los? Por que não conversamos sobre como o Matt está indo na faculdade ou sobre o trabalho da Renata? Você sabe... assuntos triviais que todo pai pergunta para seus filhos adultos quando os reencontra.
A sra. Shaw olhou fixamente nos olhos do marido, enquanto os dois filhos trocavam sorrisos afetados por trás da cabeça da mãe, que sentava entre eles.
- Olha aqui, Joe. Eu vou ignorar que você me passou um sermão na frente dos nossos filhos. E te falo que eles vão responder evasivamente as perguntas triviais porque eles não querem que eu fique sabendo o que acontece na vida deles. – então ela cruzou os braços e murmurou. – Mesmo que eu tenha o direito de me intrometer na vida deles. Eu sou a mãe, for God's sake.
Suspirando e negando com a cabeça, Joseph Shaw se reclinou na poltrona do carro, se perguntando quem afinal era o caçula da família: Matthew ou a sua esposa.
Renata começou a admirar a cidade passando pela janela, enquanto trabalhava exercícios de respiração para se acalmar. Deus, ela realmente odiava esses eventos sociais.
Matthew deu um sorriso, entendendo o que se passava na cabeça da irmã, já que o mesmo passava em sua cabeça. A cutucou levemente. Renata olhou para o irmão, que possuía os mesmos olhos verdes de Rachel, e se perguntou mentalmente o que ele queria.
- Não se preocupe Rê. Estou contigo nessa e não vou sair do seu lado um segundo. – ele disse bem baixo, para que a mãe, que ainda estava resmungado sobre o quão desnaturados eram as crias dela, não ouvisse eles conversando.
Ela sorriu e murmurou um pequeno agradecimento.
Era sempre assim, ela, Kel e Matt contra o mundo.
O som da campainha tocando repetidamente acordou Harry do seu merecedor cochilo. Bocejando e murmurando imprecações contra a maldita alma que teve a péssima ideia de o acordar, ele se encaminhou lentamente até a porta para que a abrisse.
- Por favor, me diz que você não vai assim.
Foi tudo o que ele ouviu antes que a porta fechasse e ele fosse empurrado com pressa até as escadas e de lá para dentro do seu banheiro.
- Oi para você também, Skippy. – foi tudo o que conseguiu dizer antes que a porta fosse fechada em sua cara.
- Você tem 10 minutos para tomar banho, Harry. E agradeça à todas as entidades superiores por eu ter decidido vir checar você, se não você iria se atrasar para o evento do Arthur.
"Merda!" Foi tudo o que Harry conseguiu dizer, antes de ligar o chuveiro e tirar suas roupas para que pudesse tomar um banho extremamente rápido e sair enrolado em uma toalha.
Skippy estava deitado em sua cama, olhando para a tela que estava encostada no chão, no canto do quarto.
- Quem é?
- Ninguém.
- Sei... – comentou Skippy com um sorriso. – Anda logo Harry.
Ele deu de ombros, enquanto se vestia, ainda conversando com o amigo. Para que vergonha, para quem já mostrou as joias reais para todo o mundo?
- Ela é apenas uma mulher com quem eu tenho sonhado. – disse com um suspiro. – Talvez alguém com quem eu cruzei na rua ou vi em algum lugar. E agora o meu cérebro faz questão de conjurar de vez em quando.
- Harry, você não cruza com as pessoas na rua.
- Você me entendeu Skippy. – ele retrucou exasperado. – De qualquer forma... não é ninguém importante.- Lógico. Por isso que você tem pintado um quadro dela.
Harry ignorou o amigo enquanto passava seu perfume e arrumava a sua gravata borboleta.
- Deixa de ser idiota, Skippy, e vamos logo.
Desceu a escada enquanto arrumava seu relógio em seu pulso, verificava se a carteira e o celular estavam em seu bolso e desligava as luzes.
- Hey! Eu ainda tô aqui! – reclamou Skippy tropeçando enquanto descia as escadas.
- Não me atrasa e vem logo.
- Olha quem fala...
O salão estava ricamente decorado e lotado. Os homens usando seus ternos enquanto seguram seus copos de conhaque, as mulheres esbanjando suas joias em seus vestidos de grife. Renata andava levemente por aquele mar de pessoas, um sorriso educado em seu rosto enquanto sentia o leve perfume da riqueza que impregnava o ar. Os burburinhos da alta sociedade conversando enquanto degustavam a comida da alta culinária e a staff circulava de maneira praticamente invisível com bandejas cheias de bebidas e comida. Ela reconhecia diversos daqueles rostos e os cumprimentava com um aceno de cabeça. Seu irmão não saíra de seu lado, enquanto a irmã não saia do lado do namorado. Pensou em fazer um comentário sarcástico para Matthew sobre isso, mas perdeu a voz ao olhar na direção de Rachel e ver que eles não estavam mais sozinhos. O ruivo que os acompanhava levantou a cabeça nesse instante, com um sorriso genuíno no rosto. Ele olhou em sua direção. Seus olhares se encontraram.____
N/A: Esperei ansiosamente pela quarta-feira para postar esse capítulo.
E esqueci que hoje era quarta.
Então mais um capítulo para vocês!
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Até a próxima quarta!
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Efeito Morphail
RomanceO Efeito Morphail é o princípio descrito por Michael Moorcock como a viagem no tempo limitada, de modo que paradoxos não sejam possíveis. A Viagem no Tempo pode ser interessante, mas complexa quando acontece em momentos em que se torna difícil para...