Algumas semanas se passaram e o Lorde Wiliam continuava tendo os mesmos sonhos com o Anjo Negro. Andava tão transtornado que parou de sair para as costumeiras cavalgadas noturnas. Estava se tornando cada vez mais habitual ficar enfiado na biblioteca lendo, se escondendo do mundo. O Lorde gostava de ler obras de grandes romancistas contemporâneos, era culto, com um domínio perfeito de mais de oito línguas. Encontrava-se sentado em uma poltrona de couro escuro, com as pernas elegantemente cruzadas como apoio para o livro de textos poéticos em italiano. Mantinha o olhar direcionado para as páginas em um tom encardido, danos causados por algumas décadas passadas de quando fora lançado. Era alguma coisa de uma lenda antiga da mitologia grega de curiosidades sobre os anjos negros, ou algo parecido. Ele tinha que descobrir mais sobre esse ser místico, necessitava como andarilho sedento por água, depois de passar anos vagando pelo deserto debaixo de um sol escaldante.
"Se vir um Anjo Negro, corra! Esses seres são místicos, com o poder de enfeitiçar aqueles que lhes coloca os olhos. " — Dizia um trecho do livro e, querendo ou não, tinha que concordar com o escrito. Afinal era assim que ele se sentia em relação àquela forasteira... enfeitiçado. Não conseguia parar de pensar nela em nenhum segundo. Isso só podia ser magia negra, pensou o Lorde intrigado. Afinal, nenhuma mulher nunca lhe chamou tanto a atenção como Berenyce, nem mesmo Luíza quando a vira pela primeira vez, e isso o incomodava bastante, era como estar traindo sua falecida esposa. Pensativo, pegou a xícara de café preto, fumegante e sem açúcar e caminhou parando em frente à janela enorme que permitia uma visão panorâmica do lado de fora por uma grossa cortina azul escuro que estava pendurada de forma errada com o lado esquerdo torto como se estivesse prestes a cair a qualquer momento. Perfeccionista como era, com a mão vazia tentou corrigir o problema dando uma leve puxada para unir as duas partes da cortina da forma correta. Não queria que nenhum feixe de luz entrasse para atrapalhar a escuridão que tinha se tornado sua monótona vida, por mais pequena que fosse. Mas ficou totalmente paralisado quando de um relance vira algo que lhe roubou toda atenção, por completo.
— Mas o que é aquilo? — Pensou alto, deixando a xícara de porcelana ir ao chão e encharcando de café o tapete de camurça, que fora presente de casamento da Rainha da Inglaterra.
— É uma Adônis, Senhor, uma flor silvestre rara. O nome cientifico é Adônis Vernallis, que significa paciência, humildade, memórias tristes. Se não me falha a memória, a preferida da falecida senhora sua esposa. — Respondeu o mordomo Albert, aparecendo do nada bem ao lado do Lorde Wiliam quase o matando de susto. Ele sempre aparecia assim, do nada.
— Por Merlin, Bernard, como entrou aqui, homem, se a porta está trancada??? — Lançou os olhos em direção a porta, vendo que a chave estava do mesmo jeito que deixou quando entrou. — Às vezes penso que você é uma assombração ou qualquer coisa do tipo. — O Lorde até tentou disfarçar o estado de choque que se encontrava, mas era evidente que bem no meio do jardim devastado devido à falta de cuidados, a muda de flor que o Anjo Negro havia plantado e que fora brutalmente arrancada por ele, logo após tinha brotado e florescido milagrosamente debaixo de um sol escaldante. As pétalas em um vermelho vivo, tão chamativo que dava para ver perfeitamente a metros de distância. Depois que Berenyce chegara na cidade, mesmo sendo uma região chuvosa, não caíra mais uma única gota de chuva.
— Pelo que sei "O Fantasma de Buckingham" aqui é o Senhor, não eu. — Respondeu irônico, ajeitando elegantemente o nó da sua gravata borboleta.
— Sabe que não gosto desse apelido, quanto a flor no jardim... — O Lorde deu uma pausa, pensativo.
— Já sei, o Senhor quer que eu arranque a pobrezinha e jogue-a na lata de lixo mais próxima. — A voz do mordomo saiu num sussurro, num tom tão baixo quanto o seu semblante.
— Não é nada disso, Bernard! Pare com essa mania chata de me interromper, sabe que odeio isso. O Lorde zangou-se, perdendo o resto de paciência que tinha com ele.
— Então fale logo, por que não estou por sua conta hoje, muito menos para os seus chiliques matinais. — Exclamou Bernard, curvando-se para catar o que havia restado da xícara de porcelana inglesa sobre o carpete.
— Coloque um anúncio no jornal dizendo que estamos à procura de um agrônomo para cuidar do nosso jardim. Já está na hora dele voltar a florescer novamente. — Deu a ordem e saiu do escritório com as mãos atrás do corpo e a postura elegantemente ereta mostrando que tinha sangue nobre.
— Sim, Senhor! — O mordomo caiu literalmente de cara no chão diante da ordem do patrão, esperava qualquer uma, menos essa. Então o coração do velho Bernard se encheu de expectativas, talvez ainda houvesse esperança para o Lorde Willian.
Foram muitos os interessados pela vaga, a maioria homens. Havia somente uma mulher que se inscreveu e isso aguçou a curiosidade do mordomo. Bernard, cavalheiro como era, fez questão de entrevistar a jovem, discorreu folha por folha do currículo da moça sem deixar passar uma vírgula, sabia muito bem o chefe exigente que tinha.
— Como que a senhorita ficou sabendo da vaga? Foi através do jornal mesmo ou indicação de alguém? — Antes mesmo de abrir a boca, ele já sabia que a vaga seria dela. Tinha a certeza disso assim que lhe pôs os olhos, não sabia o porquê, mas havia algo muito especial naquela mulher, algo surpreendentemente mágico.
— Nenhum dos dois, Senhor. Na verdade, ouvi algumas pessoas comentando sobre o assunto no Povoado. Como sou formada em agronomia, porque não tentar? A razão dizia para não vir, mas quando dei por mim Deus havia me guiado até aqui. – Exclamou Berenyce com o olhar baixo contorcendo as mãos. Bernard nem prestou a atenção nas palavras da jovem, estava ocupado demais admirando a graciosidade da moça. Tinha o cotovelo apoiado sobre a mesa, com a mão segurando o queixo. Os olhos dele passaram pelo rosto negro de formato oval, com contornos delicados e sensíveis. Era o ser mais encantador que vira na vida, como uma flor desabrochando na primavera.
— A vaga é sua, esteja aqui na segunda de manhã. Contrate alguém para te ajudar com o serviço mais pesado e vou logo te avisando que o Lorde Willian é, digamos assim, um pouco difícil de lidar, não gosta de socializar com o mundo lá fora. Evite ao máximo entrar no castelo por outro lugar que não seja a porta dos fundos que dá na cozinha, único cômodo que ele não costuma ir com frequência. — Explicou o mordomo calmamente.
— Mas Senhor, não deveria entrevistar as outras pessoas que estão esperando lá fora? Não é justo me dar a vaga se não der pelo menos a oportunidade de eles tentarem, muitos deles são bem mais velhos do que eu e parecem ter bem mais experiência na área. — Berenyce era honesta além da conta.
— Está bem, querida! Farei isso para o seu desencargo de consciência. Mas de um jeito ou de outro, no final, a vaga ainda será sua, Deus te trouxe a esse Castelo por algum motivo e alguma coisa me diz que é algo muito bom. — Segurou as pequenas mãos de Berenyce olhando no fundo dos olhos escuros da mesma. – Para nós todos! — Concluiu Bernard esperançoso.
— Entreviste os outros candidatos primeiro e depois conversamos. Fique com Deus, Senhor Bernard e obrigada pela forma carinhosa com que me tratou. — Ela sorriu para ele de forma doce e saiu.
Na manhã do outro dia, um mensageiro estava a entregar à porta de Berenyce um comunicado que dizia para a mesma se apresentar no Castelo na segunda feira para assinar o contrato de agrônoma, ao lado de dois jardineiros, mais um ajudante pessoal. A jovem quase não podia acreditar, mesmo depois de entrevistar a todos ele ainda a queria para preencher a vaga. Ela e a tia Irene passaram a noite comemorando, a vida delas estava, enfim, dando uma boa guinada. E eram gratas a Deus por isso, e muito.
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Lorde Willian (um conto de amor) Completo.
RomansaLorde William Walquer era um homem bondoso e respeitável. Até perder a mulher e o filho de apenas cinco anos em um trágico acidente de carro. Desde então vive uma vida solitária e amarga, escondido atrás dos muros do seu sombrio castelo, no povoado...