Epílogo

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O bzz-bzz-bzz irritante não para, sem abrir os olhos jogo o edredom sobre a cabeça na tentativa de ignorar o barulho que me acordou. "Ok, tentativa falha, hora de encarar o monstro, Alice", penso e busco meu iPhone no criado-mudo, são exatamente 8:52 e eu tenho vinte e sete chamadas perdidas da minha mãe. Respiro fundo e fecho os olhos, apenas porque sei que essa insistência só poderia significar uma coisa: Ela já sabe sobre a faculdade.

Há duas semanas eu tomei a importante decisão de não me rematricular no curso de administração em uma das instituições mais renomadas do mundo, o MIT - Instituto de Tecnologia de Massachusetts no próximo semestre. O motivo? Nada do que aprendi faz sentido para mim, nada disso me motiva ou me deixa contente. Se meus pais apoiam minha decisão? Não, nenhum pouco, e por isso eu optei por não contar para eles antes do feriado de Ação de Graças. Carmem e Ricardo não são o que eu chamo de compreensivos, eles querem que a empresa de cosméticos da família fique nas mãos da única filha, ou seja, eu. Quer eu queira isso ou não, às vezes sinto que eles já planejaram minha vida inteira por mim. 

Ainda estou encarando a tela quando a mesma se ilumina com a vigésima oitava ligação da mamãe, limpo a garganta para disfarçar a rouquidão devido ao sono e coloco o celular no ouvido.

- Bom dia, mamãe! Como está nesta manhã de domingo?

- Alice, querida, pode me explicar por que o MIT devolveu o dinheiro do próximo semestre?

- Eu... ham... queria conversar com você e o papai no próximo feriado... É complicado, mamãe. Não quero conversar sobre isso pelo telefone.

Mamãe bufa e eu sei que ela está revirando os olhos e apertando o nariz entre o indicador e o polegar. Ela está frustrada e acima de tudo, decepcionada. Droga.

- Você trancou a faculdade, Alice? Por quê? A vida real não é o conto de fadas em que você vive, filha. Precisamos de você, seu pai já não está com a saúde perfeita e você é nossa herdeira, precisa agir como tal! Não faça isso conosco, onde erramos com você? Será que te criamos tão mal a ponto de não ensinarmos nada sobre as dificuldades do mundo?

- Eu não estava feliz, mamãe. Me desculpe, só preciso de um tempo para pensar e descobrir o que gosto de fazer antes de me comprometer com os negócios da família.

- Alice, a vida não é feliz! Sabe quantas pessoas rezam para ter a vida que você tem? Não jogue nosso esforço na lata do lixo, não criamos você para isso. Assuma suas responsabilidades, a empresa de seu avô será sua em um par de anos, quer você queira ou não.

- Eu sei, mamãe. Não estou tentando fugir das responsabilidades, juro que não. Só queria experimentar coisas diferentes enquanto posso, eu...

- Não, você não pode. você tem uma semana para corrigir seus erros, caso contrário estaremos bloqueando seus cartões de crédito e enviando sua passagem de volta para o Brasil. Estamos muito decepcionados. Tenha um bom dia, filha.

A ligação fica muda segundos depois. Ela desligou e nem me deixou falar, no fundo eu sabia que mamãe faria isso. É o jeito dela de cuidar de mim e fazer com que eu faça o que ela acredita ser o melhor, pelo menos desta vez eu tenho opções.

❤❤❤

Acabo meu cereal e coloco a tigela na pia para lavar mais tarde, estamos no fim do outono e a temperatura já começou a despencar, o que eu menos quero no momento é tocar na água fria para lavar uma tigela. As palavras de mamãe ainda estão ecoando em minha cabeça, por que eu não posso ser como ela? Gostar de administração? Céus, minha vida seria tão mais fácil se eu gostasse do que meus pais gostam.

Estou deitada no sofá assistindo meu seriado favorito na Netflix quando meu celular vibra com uma nova mensagem no whatsapp. "Que não seja a mamãe", penso antes de desbloquear a tela, sorrio instantaneamente.

As Escolhas de AliceOnde histórias criam vida. Descubra agora