As Escolhas de Alice

Capítulo 01

Abro os olhos e a primeira coisa que reparo é que o sol já está alto, o que significa que perdi minhas aulas desta manhã, a segunda coisa é que meu celular não está vibrando com mensagens, o que significa que ele continua desligado e a terceira coisa é que eu não dou a mínima para nada disso. Só quero virar para o lado e dormir até tudo estar resolvido.

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Quando eu tinha 7 anos, mamãe e papai viajaram por dois meses para estruturar uma filial da empresa no sul do Brasil, vovô e vovó cuidaram de mim. Uma noite quando eu estava chorando com medo do escuro, vovô entrou no quarto e se sentou na beirada de minha cama.

- Por que chora?

- Não gosto do escuro, vovô. Me assusta. - Sussurrei entre os soluços

- Alice, querida, se você carregar sua própria lanterna, não precisa temer o escuro.

- Então eu preciso de uma lanterna. - Sussurrei sentando na cama e limpando meus olhos. - Pode me dar uma, vovô?

- Não uma lanterna de verdade, filha. - Ele riu, eu adorava a risada do vovô, era sempre sincera e engraçada.

- Como posso carregar uma lanterna de mentira?

- Seus sonhos são sua lanterna, winzig*. Algumas pessoas vão fazer com que você sinta dor, algumas pessoas vão tentar apagar seu brilho. Lembre-se de não deixar a escuridão entrar dentro de você e ignore toda a escuridão que existe no mundo. Ich habe dich lieb**. Durma bem.

- Também te amo, vovô.

Joseph Ruschel, vulgo vovô, nasceu na Alemanha, foi para o Brasil para fugir da Segunda Guerra e conheceu Helena Muniz, vovó para mim, foi amor a primeira vista, vovó era linda. Da união deles nasceu Ricardo Muniz Ruschel, meu pai. Os pais de mamãe faleceram quando ela tinha 22 anos, não lembro deles.

A lembrança de vovô e vovó sempre me enche de ternura e saudade, eu aprendia algo novo com cada conversa, eles conversavam comigo com paciência e me tratavam como adulta, não falavam comigo como se eu não soubesse de nada. Mamãe e papai falam comigo como se eu fosse criança até hoje.

Vovô, naquela noite, me fez querer ser o que sou hoje. Todos os dias eu luto para a escuridão não entrar dentro de mim, não sinto raiva ou inveja, não guardo rancor. Mas, às vezes, meu coração transborda com a dor, então eu me sinto tão triste, eu acho que a tristeza é um tipo de escuridão também... É por isso que preciso vencê-la. Uma olhada rápida no relógio ao meu lado diz que são 9:54, hora de viver.

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Depois de tomar um café da manhã reforçado, coloco meu short de corrida, um top e uma regada leve, calço meus tênis e amarro meu longo cabelo castanho em um rabo de cavalo. Tranco a porta do apartamento e saiu para minha corrida diária.

Gosto de correr, corro todos os dias até minhas pernas não aguentaram mais de exaustão, até meus pulmões arderem, só assim eu volto para casa. Hoje consegui correr 16 km, me sinto cansada e ridiculamente orgulhosa do meu desempenho, chego em casa e tomo um banho demorado, coloco roupas confortáveis, preparo macarrão ao molho branco para o almoço e sento na mesa para comer.

Após organizar toda a cozinha e lavar minha louça, decido que está na hora de ligar o celular e parar de ser infantil e é o que eu faço. Assim que o sistema inicia meu celular começa a vibrar descontroladamente, indicando 211 mensagens de 5 conversas no whatsapp. Respiro fundo e abro o aplicativo, começando pela primeira conversa.

Anna: ALICE, HAJA O QUE HOUVER, NÃO ENTRE NO FACEBOOK HOJE.

Anna: Saudades. 💙

Achei esquisito, mas é a Anna, então ignoro e vou para a próxima conversa:

Mãe: Alice, cadê você?

Mãe: Por que não me contou sobre o término com Enzo? Ele é de uma boa família, vocês se amam desde que me lembro, conserte isso.

Mãe: Me liga.

Mãe: Alice, você está estragando sua vida. Por que faz isso?

Mãe: Seu pai e eu vamos para Massachussets no sábado, precisamos ter uma conversinha, mocinha.

É a cara da mamãe me culpar pelas coisas, eu nem queria terminar com o Enzo, como ela pode me culpar por algo que está me afogando em dor até agora? Dou uma risada sem animo e abro a próxima conversa, é de um grupo: Haters Gonna Hate

Maggie: Notícias da Lice?

Anna: Nenhuma desde ontem de manhã, preocupada. 😣

Júlia: Tenho certeza que ela está bem, só precisa de espaço... Não deve estar sendo fácil.

Maggie: Concordo.

Júlia: Só achei muito ridículo aquele babaca fazer isso.

Anna: Concordo. Esse fim de semana a Alice não estava toda sorridente falando com ele?

Maggie: Não fazia nem 24hrs que ele tava dizendo que amava a Lice.

Júlia: Vou arrancar os olhos dele com a unha se ele brotar na minha frente.

Maggie: Eu ajudo!

Anna: Eu também.

Eu amo minhas amigas, elas são o melhor presente que recebi do MIT - moramos no mesmo dormitório no primeiro ano da faculdade - Só queria entender como elas ficaram sabendo do Enzo... Abro a conversa com a Maggie.

Maggie: Lice, fica bem, acabei de ver o Facebook do Enzo, ele é ridículo e não merece você.

Maggie: Me liga se precisar de alguma coisa. 👊👊

Abro um sorriso, diferente do que o Enzo pensa, minhas amigas me apoiam e acho que eu não estou tão sozinha afinal. Posso até ter poucos amigos, mas os que tenho são verdadeiros e leais. A última conversa é de um grupo de estudos da minha aula de finanças, nem me dou ao trabalho de abrir, não estou muito interessada em ver respostas de atividades.

Passo o restante da tarde assistindo Gossip Girl, adoro programas de menininha, tentei seguir o conselho da Anna e não abrir o Facebook, mas a interrogação não sai da minha mente, quero muito saber o que há de errado. E é a minha teimosia que me faz abrir o aplicativo do Facebook e rolar o dedo pelo feed de notícias. Nenhuma grande novidade: "Maggie Kannenberg compartilhou a postagem de Relicário", "Anna F. Drummondpublicou uma nova foto no aplicativo Instagram com Alice M. Ruschel, Júlia Góes e Maggie Kannenberg", "Enzo P. Bellini está em um relacionamento sério com Agatha de Oliveira".

E é ai que meu mundo desaba.

*Minzig significa pequenininha.

** Ich habe dich lieb significa "eu te amo".